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MANDELA E O RUGBY PELA UNIÃO DE UM PAÍS

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Mandela entrega a taça ao capitão dos Springboks. FOTO: Getty Images
Mandela entrega a taça ao capitão dos Springboks. FOTO: Getty Images

No dia 24 de junho de 1995, a África do Sul vencia a histórica final da Copa do Mundo de rugby por 15 a 12 em cima da favorita Nova Zelândia. Esse jogo é considerado um dos maiores jogos da história da modalidade e a atuação do fly half Joel Stransky, autor de todos os pontos da equipe, tida como quase perfeita. O Ellis Park, em Johanesburgo, recebeu 62 mil espectadores, mas foi como se recebesse um país inteiro. E o responsável foi Nelson Mandela.

Para entender o quanto o evento foi emblemático, precisamos contextualizar o momento da África do Sul. Em 1948, foi implementado o Apartheid (que no idioma africânder significa “vida separada”), um regime que retinha o poder político e econômico com os brancos e obrigava os negros a viverem separados, sem garantia nem de direitos básicos do cidadão. Além da segregação racial no cotidiano da sociedade, os negros eram proibidos de integrar qualquer seleção nacional.

Divisão racial explícita em locais públicos. FOTO: crative commons
Divisão racial explícita em locais públicos. FOTO: crative commons

Cabe ressaltar que, dentre os quatro principais esportes do país – rugby, críquete, futebol e boxe – o rugby era diretamente associado à elite branca, que era quem mais o praticava, e foi usado como referência esportiva durante o regime. Os negros eram minoria e jogavam em ligas paralelas. No futebol, os sul-africanos chegaram a pedir a FIFA que autorizasse o país a jogar as eliminatórias da Copa de 70 com duas seleções: uma de brancos e outra de negros. Vetado. Aliás, esse foi um dos motivos, aliados a falta de apoio do governo ao esporte, que fez com que a FIFA e o COI banissem o país de competições internacionais e de seus quadros de membros. A atitude demorou, pois só foi tomada em 74. Já a International Rugby Board não os baniu, mas proibiu a seleção do país de jogar torneios internacionais.

Bom, aí veio o ano de 1990, quando Flederik de Klerk, então primeiro ministro, declarou o fim do regime, mediante grande pressão da opinião pública. Foram quatro anos de difíceis reformas políticas e muita instabilidade no país, inclusive com províncias como Cabo, Orange, Transvaal e Bantustões, chegando a beira de declarar independência. Foi um árduo caminho até as eleições de 94, as primeiras livres e multirraciais. O eleito foi Mandela.

Madiba, como era conhecido, saiu da prisão com o fim do apartheid, depois de 27 anos de cárcere. Ele foi um dos líderes da reunificação social e racial do país, tornando-se o primeiro presidente negro da África do Sul. Teve que lutar contra o aumento da pobreza e do crime no país, mas principalmente construir uma unidade nacional, depois de tanto tempo de segregação. Aí chegamos à seleção de rugby.

Mandela, após sair da prisão, em 1990. (FOTO: Alexander Joe/AFP/Getty Images)
Mandela, após sair da prisão, em 1990. (FOTO: Alexander Joe/AFP/Getty Images)

Por que não usar o futebol o boxe, esportes de maioria negra? A escolha veio de um jogo dos “Springboks” – nome dado a seleção sul-africana. Mandela foi ao estádio e notou que os negros na arquibancada torciam contra a seleção do próprio país, assim como ele fez em relação ao governo, enquanto esteve preso. Notou que não era o caminho para um país que queria se unir. Nada melhor que usar um esporte, que até então era essencialmente branco, para exemplificar a nova face do país. Com o fim do Apartheid,  o país voltou a disputar competições internacionais e, de quebra, foi escolhido sede da Copa do Mundo de Rugby de 95. Mandela viu no evento a chance de ouro que precisava.

Mandela conversou pessoalmente com o capitão dos Springboks, François Pienaar, lhe explicando seu pensamento e a importância do título para o país. O time que antes era apenas de brancos, passou a contar com o negro Chester Williams, que substituiu um companheiro lesionado e foi crucial no torneio. Com sua entrada, o time passou a ser a primeira representação multirracial da África do Sul em uma competição esportiva internacional. Estava tudo pronto.

O time que começou com derrotas e desconfiança foi se fortalecendo e unindo o país. Chegou forte à Copa do Mundo, mas a missão era árdua. Na primeira fase, três vitórias contra Austrália (27×18), Romênia (21×8) e Canadá (20×0). Nas quartas-de-final, uma vitória fácil sobre Samoa Oriental (42×14) e nas semi-finais um duelo sensacional com os favorito franceses, vencido por 19×15. Na final, o esperado: o poderoso time da Nova Zelândia, os All Blacks. Na primeira fase, os neozelandeses venceram o Japão por 145×17, o maior placar de mundiais, com direiro a 45 pontos de Simon Culhane, recordista também neste quesito. Além dos japoneses, os All Blacks não tomaram conhecimento de galeses, irlandeses, escoceses e ingleses, chegando com relativa facilidade às finais.

Na histórica final, tida por muitos como a melhor de todos os tempos, nem o fenômeno neozelandês Jonah Lomu – craque do torneio – conseguiu impedir a vitória dos Springboks. Na prorrogação, por 15×12, um país derrotou o outro dentro de campo. E fora dele a união derrotou o preconceito racial. Quando Mandela entregou a taça a Pienaar, foi muito mais do que o primeiro título do país em Copas do Mundo. Foi a primeira celebração de união entre negros e brancos por um único ideal em terras sul-africanas. Graças a Mandela e ao rugby.

Uma boa maneira de conhecer a história, ressalvado algumas licenças poéticas é o filme “Invictus” de Clint Eastwood. A propósito, se colocassem o Morgan Freeman no lugar do Mandela era capaz que ninguém notasse a diferença.

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