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Brasil x Itália de 70: um jogo que já começou na história

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Quando se pensa em Copa de 70 e no tri da seleção brasileira, o primeiro jogo que vem à memória é a goleada na final sobre a Itália. Um 4×1 contundente que, sem sombra de dúvidas, coroou uma geração que praticava um futebol bonito e eficiente. Talvez o mais próximo que a seleção já jogou do futebol arte. Talvez o próprio futebol arte.

Mas aquele jogo contra a Azzurra não foi o melhor jogo daquele time. Não foi o mais difícil, nem o mais emocionante… Então, qual o motivo de ser tão lembrado? Ao meu ver, parte da mística daquele jogo está na fato dele sempre ter sido histórico. Histórico antes mesmo de acontecer

Quando terminaram as semifinais, com a Itália eliminando a Alemanha e o Brasil despachando o Uruguai, aquela final já era um dos maiores confrontos da história do futebol.

Duas seleções e muita história em campo

Por si só, uma decisão entre duas das maiores e mais tradicionais escolas de futebol do mundo já bastaria para colocar esse jogo como histórico – veja bem, falei em importância, não em qualidade técnica (haja vista 94). Mas tinha mais coisa envolvida.

Um dos fatores que tornava aquele jogo diferente dos demais era a disputa pela posse definitiva da Jules Rimet. A taça entregue ao grande vencedor da Copa do Mundo tinha três seleções postulantes a levá-la para a casa de uma vez por todas. E as três chegaram às semifinais – a FIFA não podia querer algo melhor. Com Uruguai de fora, cabia aos brasileiros e italianos realizarem o duelo definitivo pelo Jules Rimet.

Além disso, aquele seria – o que se comprovou depois – a última final de Copa do Mundo de Pelé com a camisa do Brasil. O Rei poderia ser um raro tricampeão mundial – tão raro que ainda não apareceu outro.

A Itália trazia uma equipe forte e tentava vencer sua primeira Copa sem a sombra do Fascismo e tudo isso com transmissão pela TV. Era a primeira vez que o mundo tinha acesso às imagens em tempo real. Era motivo de sobre para aquele jogo já ser histórico. Faltava ser um jogo de qualidade. E como foi.

Equipes fortes, mas em condições diferentes

O Brasil levava vantagem na parte física – e não me refiro apenas à sua preparação, tão elogiada durante o Mundial. Ao contrário do que aconteceu anteriormente, o Brasil estava completo e repetia o time pela primeira vez naquela Copa. Além disso, o calor que castigava as seleções europeias, acabou sendo um aliado dos brasileiros.

Já os italianos vinham de uma batalha contra a Alemanha Ocidental na semifinal, o chamado “jogo do século”. Foram 90 minutos que terminaram num em 1×1 e uma prorrogação que levou a Itália até a decisão, com uma vitória por 4×3. Apesar de ajudar na auto-estima, aquilo acabou com as pernas dos italianos. Quatro dias não recuperariam aquele time para a missão hercúlea da decisão.

Havia uma grande festa sendo preparada no Brasil, mas não era uma véspera de decisão de empolgação e oba oba. Pelo contrário. Se esperava tudo daquele jogo.

Equilíbrio e o último gol de Pelé em Copas

O Brasil não havia ganhado o título, mas já tinha conquistado o povo mexicano. A mudança de Guadalajara para a capital, Cidade do México, foi apenas uma questão logística. O Azteca estava quase que por completo em favor da seleção verde e amarela, mas isso não impediu os jogadores brasileiros de ficarem muito tensos ao chegarem ao estádio. Sabiam que o começo seria muito difícil.

Equipes perfiladas antes do jogo. FOTO: CBF
Equipes perfiladas antes do jogo. FOTO: CBF

A Itália rolou a bola e logo teve a primeira chance de gol, com Gigi Riva, que deferiu um foguete para uma defesa plástica de Félix. Inaugurados os trabalhos, a tensão se manteve. Os primeiros dez minutos foram de várias tentativas, mas sem uma conclusão aguda, exceto por uma falta de longe que Rivellino mandou nas mãos de Albertosi e chute atabalhoado de Everaldo.

Aos 11 minutos, o Brasil voltou a falhar. Brito escorregou e a bola foi parar com Gigi Riva que chutou cruzado para defesa firme de Félix. A Itália finalizaria novamente aos 15 minutos, após uma falta cobrada por Mazolla, que encontrou Riva completamente livre (e impedido). O atacante cabeceou e a bola passou raspando a trave.

Apesar do começo equilibrado, os italianos não se deram conta de que estavam permitindo ao Brasil chegar até a intermediária ofensiva tocando. Isso era mortal. Aos 18 minutos, numa cobrança de lateral de Tostão, Rivellino chegou batendo de primeira, no que parecia ser um cruzamento aleatório. Entretanto a bola foi milimetricamente até a testa de Pelé, que subiu com um foguete e cabeceou firme para baixo. Como Albertosi não era Banks, a bola morreu nas redes italianas. Festa no Azteca, que cada vez mais parecia a casa do Brasil.

Aquele gol também já nasceu histórico, pois era o centésimo gol brasileiro em Copas do Mundo. Seria também o último do Rei do futebol num jogo de mundial.

Pelé comemora o gol contra a Itália.
Pelé comemora o gol contra a Itália. FOTO: CBF

Logo na saída de bola, a Itália assustou numa jogada individual de Boninsegna. Ela passou por dois e chutou cruzado para a defesa firme de Félix. Mas aquela chance não se mostrou presságio de uma pressão constante, pois nos minutos seguintes, a Azzura não conseguiu finalizar as chances que criava.

Parece chover no molhado, mas vale ressaltar que os times não davam chutão (nem a Itália, que era muito menos técnica) e saiam sempre tocando, desde os goleiros. Aliás, os dois arqueiros não demoravam a repor a bola.

Aos 32, voltamos a ter uma chance de gol clara, novamente com Pelé. E novamente de cabeça. Porém, dessa vez sua majestade errou, na marca do pênalti. Outro erro também aconteceria minutos mais tarde, com consequências muito mais sérias.

Clodoaldo coloca emoção no jogo

Aos 37 minutos, Clodoaldo colocou em risco a final. Brito, que vinha fazendo uma partida perfeita, tocou para o jovem volante brasileiro que (talvez pela pouca experiência) exagerou no preciosismo. Ele tentou dar um passe de calcanhar para Everaldo e entregou a bola de presente para Boninsegna. O atacante italiano invadiu a defesa brasileira venceu Piazza, Brito e tirou Félix, que saiu da área tentando impedir o gol. Não foi difícil para Boninsegna rolar para o gol vazio, escoltado pelo companheiro Riva.

Anos mais tarde, o capitão Carlos Alberto Torres confirmou que Clodoaldo ouviu um bocado dos colegas de time e principalmente do técnico Zagallo. Não fosse sua atitude minimamente irresponsável, talvez não teríamos mais nada de Itália naquela partida. Foi um presente para um time que parecia que não conseguiria mais definir com perigo uma jogada.

A Azzurra teria mais um chute aos 43 minutos, com Sandro Mazzola, que obrigou Félix a fazer uma defesa bem complicada. Já o Brasil teria uma última bola aos 45, quando o juiz apitou o fim do primeiro tempo assim que Pelé matou no peito, instantes antes de mandar a bola para rede. Muita reclamação, mas o primeiro tempo já era história. Talvez, se soubessem o que vinha pela frente no segundo tempo, talvez todos os brasileiros sairiam de campo rapidamente e sem reclamar.

A melhor atuação de uma decisão de Copa

O segundo tempo daquele jogo deveria ser posto numa moldura e exibido nas paredes de museus mundo afora. Arte pura. E superioridade física, claro. A Itália gastou suas últimas forças nos primeiros 45 minutos, enquanto os brasileiros, como já haviam feito nas outras partidas, sobravam na etapa final.

Antes que os três minutos da segunda etapa se completassem, Carlos Alberto apareceu na ponta e chutou cruzado para Pelé, que deslizou num carrinho (já sem goleiro) que por pouco não encontrou e jogou a bola para as redes. Logo depois, Rivellino bateu falta da intermediária e parou numa bela defesa de Albertosi.

Minutos mais tarde, aos oito, foi a vez da Itália tentar – numa das suas derradeiras chances. Depois de uma falta em dois lances (dentro da área) mal aproveitada pelo Brasil, a Itália puxou um contra ataque que chegou em Dominghini. Da ponta direita, ele arriscou um tiro que desviou em Everaldo e foi no contrapé de Félix. Se a bola não passasse raspando, poderia ser um borrão que mudaria o resultado daquela pintura de segundo tempo. Mas não passou de um contorno dramático.

Daí pra frente só deu Brasil. A Itália acusava e cansaço e cometia muitas faltas. Numa delas, sofrida por Tostão aos 15 minutos, Rivellino mandou sua patada que parou na trave italiana. Era questão de tempo.

A sequência de golaços

A partir dos vinte minutos do segundo tempo daquele início de tarde em Guadalajara, começou uma exibição de gala que poucas vezes o futebol viu. Uma dominância plena.

Aos 20 minutos, Jairzinho tentou pela enésima vez vencer Facchetti e novamente não teve sucesso. Porém a bola sobrou para Gerson, que passou pelo marcador, ajeitou para a perna esquerda e acertou um chute cruzado indefensável para Albertosi. O único gol do “Canhota” na Copa. E que gol!

Aqui, vamos abrir um parentese para a narração da TV brasileira. Mario Viana berrava insistentemente suas reclamações contra a arbitragem. “Só falta dar de metralhadora em Pelé”, afirmou em dado momento. Particularmente, na maioria das vezes me parecia mais engraçado do que pertinente, mas tudo bem.

E Gerson estava na ponta dos cascos. Aos 23 minutos de jogo e ele meteu um de seus lançamento absurdos, rompendo cinquenta metros de campo e achando Pelé dentro da área. Num gesto de genialidade, ao invés de matar no peito (como havia feito contra os tchecos), o camisa 10 – que percebeu a aproximação do zagueiro – escorou para o meio da área e achou Jair livre. Era a primeira vez que ele se desvencilhava de Facchetti. Talvez pela emoção do feito, o “Furacão da Copa” não conseguiu finaliza com precisão. Não fez diferença. De forma atabalhoada o camisa 7 colocou a bola na rede. Título garantido!

Jairzinho comemora o seu gol.
Jairzinho comemora o seu gol. FOTO: FIFA

Vale olhar com calma para esse lance. Sem correria, apenas pensando o jogo, Gerson andou com a bola por pouco mais de dois metros antes de lançar na área. Enquanto os italianos seguiam a bola, Pelé já subiu olhando o deslocamento de Jairzinho. Uma jogada que vale ser vista e revista. Ensinada… se é que isso se ensina.

Gerson seguia livre e chega na área fácil. Ele foi um dos que finalizou ao gol italiano nos esporádicos ataques que o Brasil lançou sobre a atordoada Azzura, entre os 27 e 40 minutos de jogou. Rivellino e Pelé também tentaram. Mas faltava o grand finale.

O maior gol coletivo da história das Copas aconteceu aos 41 minutos do segundo tempo. Tostão – que fez uma partida discreta – voltou na marcação, tomou a bola e deixou com Piazza. Dele a Clodoaldo, que marcado, deu à Pelé. Deste para Gerson e novamente à Clodoaldo. Dessa vez ele não falhou como no primeiro tempo. Driblou quatro italianos e passou a bola à Rivellino. O “Reizinho do Parque” lançou Jairzinho, que encarou Facchetti. Mais uma vez ele não conseguiu passar (aliás, grande atuação do defensor italiano) e preferiu dar a Pelé. O Rei parou, ergueu a cabeça e viu todos os italianos olhando para ele – esperando um passe para Tostão, um tiro a gol ou coisa assim. Pois Pelé ajeitou a bola de um pé para outro e rolou-a no espaço vazio na ponta direita do campo. Sem que ninguém esperasse e nenhum italiano tomasse a providência de marcar, Carlos Alberto apareceu batendo de primeira. A bola ainda deu uma subida num montinho para encaixar com precisão no chute do camisa 4. Uma bomba rasante no canto do goleiro italiano. Uma pintura!

Festa brasileira e mexicana. Invasão de campo. Fotógrafos e jornalistas registrando a comemoração histórica e o desfecho épico daquela partida que jamais seria esquecida. A bola rolou por mais quatro minutos e a Itália ainda tentou marcar seu segundo gol, mas o mais adequado é dizer que a partida acabou naquele gol do “Capita”. Naquilo que Jorge Cury narrou como sendo o “epílogo de uma festa verde e amarela”.

Festa “em casa”

Com certeza aquele momento foi o mais perto que o Brasil chegou de conquistar um título mundial em casa. E o mais perto que o povo mexicano chegou de celebrar a conquista de uma Copa do Mundo. O fim de jogo só aconteceu por preciosismo do árbitro alemão, pois a invasão de campo continuou ainda com a bola rolando. Foi uma festa impressionante. Alguns jogadores chegaram a ficar só de cueca em campo. Pelé e outros craques foram carregados por mexicanos extasiados.

A campanha tinha começado e terminado com atuações de gala. O Brasil nunca mais teria outra atuação numa Copa do Mundo como aquela. Mas teria mais dois títulos. A Itália também conquistaria mais dois títulos e ainda teria o seu Sarriá. A rivalidade seguiria firme, mas aquele jogo no México foi um capítulo. À parte. Único.

O jogo que já começou histórico, teve um transcorrer digno da sua importância e uma apoteose épica. A festa que o Brasil tentou fazer no Maracanã em 50 e em 2014, aconteceu no Azteca.

Carlos Alberto Torres levanta a Jules Rimet.
Carlos Alberto Torres levanta a Jules Rimet. FOTO: FIFA

Ficha Técnica

LOCAL: Azteca, Cidade do México.
DATA: 21 de junho de 1970.
PÚBLICO: 107.412 presentes.
ÁRBITRO: Rudi Glöckner (Alemanha Ocidental).
GOL: Boninsegna; Pelé, Gerson, Jairzinho e Carlos Alberto Torres.
CARTÕES AMARELOS: Rivellino e Burgnich.
BRASIL – Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Rivellino; Pelé, Jairzinho e Tostão. Técnico: Zagallo.
ITÁLIA – Albertosi; Burgnich, Ancheta, Cera e Facchetti; Bertini (Juliano), Dominghini e De Sisti; Sandro Mazolla, Gigi Riva e Boninsegna (Rivera). Técnico: Ferruccio Valcareggi.

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