GÊNIOS DO ESPORTE | FANNY BLANKERS-KOEN: MULHER, MÃE E CAMPEÃ
A história recente não guarda muito espaço para o tamanho da holandesa Fanny Blankers-Koen, mas ela jamais será esquecida pela história olímpica. Neste texto, conto a história dela, a verdadeira “Mamãe Maravilha”.
Nascida Francina Elsje Koen, em Lage Vuursche, na Holanda, começou com praticando vários esportes na adolescência, principalmente a natação e apenas aos 17 anos partiu para o atletismo. Seu técnico na ocasião, recomendou a mudança pelo fato da concorrência por uma vaga olímpica na natação ser muito mais pesada na Holanda. Aos 18 anos, já despontava como promessa e, um ano depois, foi convidada a integrar a equipe olímpica de seu país pelo seu técnico, Jan Blankers (Reconheceu o nome né? Pois voltaremos a ele mais tarde).
BERLIM E O INÍCIO DE CARREIRA
Francina manteve-se bem e, um anos após começar a competir pra valer, chegou aos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. A ideia era ganhar experiência, o que de fato aconteceu. Ela obteve dois quintos lugares, um no salto em altura e outro no 4×100 metros rasos.
Depois do desempenho razoável em Berlim, ela conquistou os primeiros bons resultados em 1938. De cara, veio seu primeiro recorde mundial (11 segundos nos 100 metros) e suas primeiras medalhas: bronze nos 100 e 200 metros rasos do Campeonato Europeu de atletismo de Viena. Muitos observadores, e a própria Koen, esperavam que ela se saísse bem nas próximas Olimpíadas, em 1940, que seriam em Helsinque, depois de terem sido retiradas de Tóquio. “Fanny”, como era chamada, vinha numa crescente e fatalmente seria uma das favoritas a medalha.
Porém, veio a Segunda Guerra Mundial, e os Jogos Olímpicos acabaram cancelados em 2 de Maio de 1940. Uma semana depois, a Holanda foi invadida pela Alemanha.
CASAMENTO, MATERNIDADE E UMA GUERRA
Assim como o país, a vida pessoal de Fanny também passou por muitas mudanças. Pouco antes da invasão, ficou noiva e, em 29 de agosto de 1940, casou-se. O marido? Jan Blankers, seu técnico. Jan era um ex-atleta de salto triplo que havia participado das Olimpíadas de 1928. Também era jornalista esportivo e tinha quinze anos a mais que sua esposa. Originalmente ele achava que mulheres não deveriam competir no esporte – uma opinião que infelizmente, não era incomum para a época. No entanto, a entrada de Fanny em sua vida mudou totalmente sua percepção em relação às atletas.
Em 1942, Fanny deu a luz a seu primeiro filho, Jan Junior, o que fez com que a imprensa holandesa decretasse sua aposentadoria, aos 24 anos. Para a sociedade da época, uma mãe competindo era inconcebível. Na verdade, o preconceito era tamanho, que existiam raríssimos casos de mulheres casadas que seguiam com sua carreira esportiva. Numa sociedade amplamente machista, Fanny e seu marido tinham planos bem diferentes. Semanas depois do parto, assim que obtiveram liberação médica, voltaram aos treinos.
Sem os Jogos Olímpicos de 1940 e posteriormente os de 44, Fanny não desanimou e continuou dedicando-se ao atletismo durante o período da guerra. Sem competições de nível mundial e continental, a Holanda manteve suas competições internas, mesmo após a ocupação nazista. A agora Sra. Blankers-Koen, seguiu chocando a sociedade e assombrando o mundo do esporte.
Ela estabeleceu seis novos recordes mundiais entre 1942 e 1944, nos 80 m com obstáculos, no salto em altura (melhorando a marca anterior em 5 cm), no salto em distância e nos 100 m. Participou da quebra dos 4x100m e 4x200m, que foram homologados para a Alemanha. Os alemães estavam deslumbrados com seus resultados, mas ela nunca se mostrou favorável à ocupação. Inclusive, durante a competição ela e outras holandesas utilizaram os símbolos nacionais de seu país em protesto.
Na Holanda as coisas não iam nada bem. Em meio a uma difícil situação política e econômica no país, Fanny deu a luz à sua filha Fanneke, no terrível inverno de 1945. Com dificuldades de abastecimento, muita fome e estrutura muito parca, ela se afastou do esporte por sete meses.
A RETOMADA E O PRECONCEITO
A Guerra chegou ao fim e Fanny resolveu retomar sua carreira no Campeonato Europeu de Oslo, em 1946. Ainda convivendo com lesões e longe da melhor forma, venceu duas provas – 80 m com obstáculos e 4×100 m. No Campeonato Holandês de 1947 ela dominou seis provas e se qualificou para os Jogos Olímpicos de Londres em todas. Porém, o regulamento da época não permitia que as mulheres disputassem mais do que três provas individuais numa mesma competição. Assim, optou por se dedicar a apenas quatro das seis provas, para aumentar suas chances de êxito em 1948. E parece que ela estava certa.
Mas o preconceito seguia forte. Mesmo com os seis recordes mundiais que ela detinha e tendo quebrado um deles dois meses antes dos Jogos, boa parte da imprensa especializada questionava sua idade de 30 anos, apontando-a como muito avançada para a competição. Como se já não bastasse apontar uma atleta dessa idade como velha, a sociedade da época ainda apontou o dedo para Fanny por outros motivos.
A prática esportiva era apontada como inadequado para uma “dona de casa”. Muitos na Holanda estavam preocupados com o “bem-estar da família” de Koen, dizendo que ela deveria ficar em casa para cuidar de seus filhos ao invés de competir em eventos de atletismo. Isso depois de terem criticado-a por continuar competindo depois de casada, alegando que a prática esportiva podia deixá-la estéril e impedí-la de cumprir suas “obrigações de mulher”! Felizmente tudo isso entrou por um ouvido e saiu pelo outro e Fanny foi escrever seu nome na história olímpica.
UMA NOVA RAINHA EM LONDRES
Londres foi a primeira Olimpíada do pós-guerra, numa cidade que ainda estava sendo reconstruída. Não houve grande estrutura, mas todos estavam animados em celebrar um novo mundo, livre da guerra. E o grande nome individual dos Jogos foi Fanny.
Ela varreu suas competidoras e venceu todas as quatro provas das quais participou. Venceu com sobras os 100m rasos, se tornando a primeira holandesa campeã olímpica no atletismo.
Na segunda prova, os 80m com obstáculos, seu grande duelo contra a britânica Maureen Gardner. Maureen também era treinada pelo marido de Fanny e havia igualado seu recorde mundial pouco antes dos jogos. Koen saiu atrás e alcançou a rival apenas na linha de chegada. Na análise da foto, foi declarada vencedora.
Vitória fácil nos 200m (com uma diferença absurda para a segunda colocada) e no revezamentos 4x100m, formou com Xenia Stad-de Jong, Netty Witziers-Timmer e Gerda van der Kade-Koudijs a equipe que levou a Holanda ao ouro, vencendo por um décimo a Austrália, numa arrancada sensacional de Fanny na reta final da prova.
No fim dos Jogos, Fanny ficou com o ouro em quatro das nove provas femininas (que se ela pudesse, poderiam ser seis) e foi a primeira mulher a ganhar esse número de medalhas de ouro olímpicas.
Foi recebida em Amsterdã por uma imensa multidão. Passeou pela cidade e recebeu da rainha Juliana o título de cavaleiro da Ordem de Orange Nassau.
FIM DE CARREIRA
Após Londres, mundialmente conhecida, Fanny viajou para competir em diversas partes do mundo, promovendo o atletismo, mas sempre se recusando a se profissionalizar. Ainda venceu mais três títulos europeus em Bruxelas, 1950, e participou dos Jogos Olímpicos de Helsinque, 1952. Teve problemas na pele que a atrapalharam e saiu das competições sem medalhas. Competiu até 1955, completando 58 títulos holandeses em diversas modalidades.
A ATLETA DO SÉCULO
Após a carreira de atleta, Fanny ainda treinou a seleção holandesa feminina. Perdeu seu marido em 1977, fato que a forçou a ser mais independente. Foi homenageada com uma competição de atletismo anual, que leva seu nome e é disputada desde 1981, em Hengelo.
Em 1999, numa cerimônia de gala em Monaco, para sua surpresa, foi eleita a atleta feminina do século pela IAAF (Federação Internacional das Associações de Atletismo).
Fanny morreu em 2004, aos 84 anos, em Hoofddorf, depois de perder a audição e lutar contra o Mal de Alzeimher.
O QUE FANNY NOS ENSINOU?
Seu nome ficou para sempre na história do esporte mas seu exemplo para as mulheres foi muito forte. Nunca antes um símbolo de força feminina foi tão grande quanto Fanny, que mostrou que o casamento e a maternidade não deveriam nunca ser uma barreira para a competição ou para qualquer carreira que fosse. Os apelidos de “Mamãe Maravilha” e “Dona de Casa Voadora” são muito menores do que a força da imagem de Fanny Blanklers-Koen, uma mulher forte e que não deixou que nenhuma amarra social lhe impedisse de ser tão veloz quanto podia.
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