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NÓS VAMOS DE ZÉ CARLOS CONTRA A HOLANDA

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O Brasil entrou em campo para enfrentar a Holanda, pela semifinal da Copa de 98, com Zé Carlos na lateral direita. Antes do jogo, o técnico Zagallo disse que Zé imitava vários animais na concentração e que no jogo seria a vez dele imitar o Cafu… Se você não entendeu nada, essa é um dos acontecimentos mais curiosos da seleção brasileira em Copas do Mundo, cujo protagonista é um jogador que nunca será lembrado entre os grandes do futebol, mas que terá uma gigantesca história para contar.

Foi convocado para a Mundial sem ter sido chamado NENHUMA vez para qualquer tipo de teste. Até o dia 7 de julho de 98, quando entrou em campo com a camisa 13 para enfrentar a Holanda, Zé tinha jogado apenas cerca de 20 minutos pela seleção brasileira, em um amistoso contra o Athletic Bilbao, no País Basco, em maio daquele ano, nas vésperas da Copa do Mundo. Mas sua presença na lista de Zagallo não parecia ser problema, pois Cafu raramente ficava de fora de um jogo. Mas aí ele levou seu segundo cartão contra a Dinamarca (por retardar uma cobrança de falta!) e ficou de fora do grande duelo contra a outra favorita ao título do torneio, a Holanda. Com um país inteiro acostumado com Cafu, a notícia de que enfrentaríamos uma das melhores seleções daquele momento sem um títular absoluto preocupou muita gente.

Zé Carlos durante os treinos da seleção.
Zé Carlos durante os treinos da seleção. FOTO: Folha Imagem/Arquivo

Em entrevista à revista Veja, em 2018, Zé Carlos falou com naturalidade sobre aquele momento, que mudou sua vida drasticamente.

“Quando o Cafu levou o cartão contra a Dinamarca, nas quartas de final, eu estava no banco, tranquilo. Imaginei que o substituto seria eu, mas na hora não falei nada, tinha de esperar. Acabou o jogo, era um momento de alegria pela classificação, não falamos nisso. Na reapresentação, o Zagallo me avisou que eu ia jogar. Só disse para eu me preparar porque ia para o jogo, me deu confiança. ‘Zé, joga o que você sabe, pronto e acabou.’ Eu não senti medo nenhum, a única dificuldade que sabia que teria era a questão física, porque tinha jogado pela última vez (uma partida completa) em 13 de maio, contra o Vasco. Depois fui jogar só no dia 7 de julho, contra a Holanda.”

Se você rever o jogo Brasil x Holanda hoje, provavelmente vai notar que a atuação de Zé Carlos foi muito honesta. Ele renegou a sua característica ofensiva e o seu principal predicado – o cruzamento – para compor a parte defensiva do time. Em parte pela questão física, mas também por saber o peso daquele jogo. No começo da partida ele penou com o ponta-esquerda Zenden, mas depois que pôs os nervos no lugar, atuou de forma muito concisa. Para quem estava sem jogar por mais de um mês, foi uma atuação de bom tamanho.

Zé Carlos contra a Holanda.
Zé Carlos contra a Holanda. FOTO: Reuters

Mas ficou para história que o Zé Carlos não era jogador para ter atuado numa Copa do Mundo, ainda mais entrar em campo na semifinal. Muitos até perpetuaram uma versão exagerada de que ele teria comprometido o time, o que é uma maldade.

“Zé, se você jogar mal, imagina o que vai acontecer na sua carreira?” Essa foi uma das perguntas que o ele teve que responder antes do jogo da sua vida. Tirando a falta de noção da pergunta, isso deixa claro que a própria imprensa da época não confiava tanto no lateral do São Paulo. Mas por que tanta desconfiança? Se na época ele já era questionado, imagina mais de 20 anos depois, quando muitos nem sabem quem ele foi.

Bom, por isso, creio que vale a pena relembrar a carreira dele, para situar quem não o conheceu e, principalmente, para entender o que faz da história dele algo muito surreal.

Zé Carlos vs Zenden
Zé Carlos vs Zenden. FOTO: Alexandre Battibugli/Placar/Dedoc

A carreira do Zé Carlos

Nascido em Presidente Bernardes, interior paulista, morou na roça e sempre teve uma vida simples e discreta. Até os 22 anos só tinha jogado na várzea e em peladas com os amigos. Para comparação, essa era a idade de Ronaldinho na sua segunda Copa do Mundo, justamente a da França. Zé ainda jogava no meio-campo, quando começou a atuar profissionalmente no São José, que era treinado por Emerson Leão, no início dos anos 90. E sua carreira não chamou muita atenção nos seis anos seguintes, com passagens por Nacional-SP (91/92), São Caetano (93), Portuguesa (94), União São João (95) e Juventude (96). Nesse percurso, ele virou lateral na passagem pelo Nacional da Rua Comendador Souza, pois notaram que o cruzamento do cara era muito bom.

Bem, chegou 97 (ano anterior ao da Copa do Mundo) e o Zé Carlos estava desempregado (que coisa não?). Foi aí que pintou a chance de ir para jogar na Matonense. Pois é. Parece pouco, mas ele ia jogar o Paulistão, né? De fato ia, só da série A2… O cara que ia marcar o ataque holandês um ano depois, estava jogando a série A2 do Campeonato Paulista de 97. Mas aquela competição seria a primeira grande mudança na sua carreira, pois a equipe de Matão conquistou o acesso e o título, com o lateral de cruzamentos precisos sendo um dos destaques do elenco. Era o passaporte para o sucesso.

Matonense campeã paulista da A-2 de 97
Zé Carlos na Matonense campeã paulista da A-2 de 97. FOTO: site da Matonense

A grande chance no São Paulo

Zé Carlos não tinha empresário e foi o próprio jogador que atendeu a ligação do técnico Darío Pereyra, chamando-o para jogar no São Paulo no segundo semestre. Ele foi e jogou muita bola naquele Brasileirão de 97, apesar do São Paulo oscilar e terminar apenas em 12º. Ganhou a Bola de Prata da Revista Placar de melhor lateral direito da competição. Além disso, teve papel de protagonismo na Supercopa daquele ano, na qual o tricolor chegou à final e perdeu para o River Plate de Burgos, Ayala, Sorín, Astrada, Gallardo, Salas e Francescoli. Até aquela altura, o duelo de maior envergadura da carreira do Zé.

1998 começou e Zé Carlos era titularíssimo do São Paulo, sendo destaque da equipe no Paulistão daquele ano, ao lado de Rogério Ceni, Márcio Santos, Capitão, Serginho, Aristizábal, Denílson, Dodô e França. E foi campeão na final contra o Corinthians, que marcou a saída de Denílson e a volta de Raí ao Morumbi (é, o Raí estreou na final). Aquele 10 de maio passou a ser o maior momento da carreira do nosso personagem. Mas o que aconteceria depois daquele dia no Morumbi, não passava pela cabeça de ninguém.

Zé Carlos com a camisa do São Paulo
Zé Carlos na partida do São Paulo contra o Corinthians, em 1998. FOTO: Arquivo / Ag. Estado

A surpreendente convocação para a Copa de 98

Zagallo fez sua convocação para Copa do Mundo da França. Os “minicraques” (quem é mais velho sabe do que estou falando) do Zé Maria e do Flávio Conceição foram produzidos, pois eles eram os favoritos à vaga de reserva de Cafu. Zé Maria ficou de fora e Flávio Conceição foi convocado, mas, cortado por uma lesão que ele questiona até hoje, ficou de fora. O outro cara testado por Zagallo, Russo (revelado pelo Sport e destaque do Vitória em 97), ficou de fora por um combinado lesão e problema com bebida. No fim, Zagallo chamou o Zé Carlos.

Sem ter sido convocado nenhuma vez pelo técnico da seleção, Zé apareceu do nada, para o choque de todo mundo. O ex-feirante, que jogava num time grande à menos de um ano, ia defender o Brasil na França. Além dele, outra surpresa vinda do São Paulo foi a convocação de Márcio Santos. Apesar de ter se destacado no tetra, estava de fora das listas de Zagallo por muito tempo e ninguém imaginava que ele seria lembrado. Mas acabou cortado por lesão. Serginho, Dodô e Raí, outros atletas do São Paulo que estavam cotados para a convocação, também ficaram de fora. Denílson, em alta, foi para copa com Zé Carlos.

Vale ressaltar que o Zé Carlos não era a única aleatoriedade daquela seleção. Doriva, que foi testado poucas vezes, venceu a corrida pela vaga de reserva entre os volantes, e André Cruz, que mesmo sofrendo com uma hérnia, foi levado, ao invés de Mauro Galvão – pedido quase unânime dos torcedores – e Júlio César – destaque do Borussia Dortmund.

Para parte das pessoas, o papel de Zé Carlos deveria ser o de “jogador de grupo”, com suas imitações de animais que citamos no início. Aliás, maldosamente apontadas como sua especialidade. Mas no fim das contas, o cara que estava lá para compor o elenco acabou sendo nossa opção para enfrentar um dos melhores times do mundo, num jogo valendo vaga na final. E deu tudo certo. Se era ou não pra ele estar lá, isso vai da opinião de cada um.

Zé Carlos na disputa por pênaltis contra a Holanda.
Zé Carlos na disputa por pênaltis contra a Holanda. FOTO: Reuters

O pós-Copa de pouco brilho

Depois dessa história espetacular, a carreira de Zé Carlos não foi muito além. Além do São Paulo, jogou no Grêmio, onde ganhou o Gauchão e a Copa Sul. Depois, passou por Ponte Preta, Joinville (onde foi campeão catarinense) e Noroeste, clube onde se aposentou, em 2005. Voltou para interior, esteve na política e praticamente só voltou ao futebol para peladas com os amigos.

Sua vida voltou ao anonimato depois do turbilhão daqueles anos de jogador e em especial, daquele ano de 98. As novas gerações praticamente não sabem quem foi ele. Por isso, é importante contar como um cara que iniciou o ano anterior da Copa do Mundo jogando a segunda divisão estadual pela Matonense, foi parar na seleção e de lá saiu com dois jogos disputados – alguns minutos de um amistoso e um dos maiores jogos de todas as Copas.

Zé Carlos é um dos casos curiosos que marcam o futebol brasileiro. O ex-feirante que imitava bem animais, espalhou seus cruzamentos por aí, viveu o sonho de ser jogador profissional e escreveu uma das histórias mais bacanas das Copas do Mundo.

Zé Carlos 20 anos depois.
Zé Carlos 20 anos depois. FOTO: Alexandre Battibugli/Placar/Dedoc – Ed Multimídia/Divulgação
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