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O TIME DE DIDI NO CAMINHO DO TRI

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Um dos grandes momentos da campanha do Tri foi o encontro do Brasil com Didi. O “Folha Seca”, um dos maiores ídolos do futebol canarinho, era o comandante da seleção peruana que enfrentaria a seleção brasileira nas quartas-de-final.

De um lado os bicampeões do mundo comandados por Zagallo, que vinham de vencer o “grupo da morte” contra ingleses, romenos e tchecos. Do outro, o Peru, que terminou em segundo na chave com Bulgária, Marrocos e Alemanha Ocidental – sua única derrota até então. Mas o jogo envolvia muito mais.

O reencontro com Didi

O Jalisco veria um reencontro histórico: Pelé, Zagallo e Didi, três protagonistas da vitória contra Suécia e do primeiro título mundial do Brasil em 1958, além de bicampeões no Chile, em 1962. O Rei, apenas um menino no primeiro título, era o maior nome do futebol mundial em 70, a estrela maior da Copa do México. Zagallo era um técnico ainda em início de caminhada, que assumiu o comando do Brasil pouco antes do mundial. Didi, era o grande mestre daquela seleção peruana e fazia um trabalho histórico.

Didi comandou o Peru a sua melhor campanha em Copas.
Didi comandou o Peru a sua melhor campanha em Copas. FOTO: O Globo

O “Príncipe Etíope” fez do Peru um time técnico e de futebol bonito. Muito bem armado e perigoso, como já havia demonstrado nas eliminatórias. Os peruanos venceram seu grupo que tinha Bolívia e Argentina, impondo aos argentinos uma de suas raras ausências em Copas. O trabalho do técnico brasileiro ainda rendeu o desenvolvimento do maior craque da história do futebol peruano: Teófilo Cubillas. O meia era o artilheiro e destaque maior do time na competição.

Peru vence Bulgária
Peru vence Bulgária. FOTO: El Gráfico

“Waldir (como Didi era chamado no Peru) foi como um segundo pai para mim”, afirmou Cubillas em entrevista à CBF. “Desde que chegou e fez a lista da equipe peruana para o Mundial, sempre ouvi muito os seus conselhos, me ajudava bastante. Era uma pessoa com uma grande experiência. Quando conseguimos a vaga na Copa foi por mérito de todos, mas também por termos uma boa estratégia traçada por um grande treinador”, lembrou.

Se Brasil e Peru mantivessem o que vinham apresentando, quem fosse ao Jalisco naquele dia, teria um encontro com o futebol arte. E aconteceu.

O drama de um país em meio à tragédia

Talvez esse tenha sido um dos raros jogos de torcida “dividida” daquela campanha. Isso pelo fato dos mexicanos terem muita simpatia pelos peruanos, por serem franco-atiradores, por jogarem bonito (como o Brasil) e principalmente por causa de uma tragédia que atingiu o país andino.

No mesmo dia da abertura da Copa, em 31 de maio, o terremoto de Ancash – de 7,5 graus na escala Richter – matou cerca de 75 mil pessoas e abalou a delegação que viajou ao México. Houve até dúvida sobre a participação ou não da equipe, posteriormente confirmada pelo governo de Lima. No fim, a campanha da seleção acabou sendo encarada como um alento num momento tão duro.

Terra arrasada após o terremoto de Ancash.
Terra arrasada após o terremoto de Ancash. FOTO: acervo

Um começo fulminante

Antes do jogo Didi sentiu todo o reconhecimento pelos serviços prestados à seleção brasileira. O bicampeão mundial, agora celebridade no Peru, recebeu os cumprimentos e foi festejado pelos brasileiros. Tempos depois, em entrevista à TV Cultura, ele confessou se sentir dividido e temeroso pelo que brasileiros e peruanos achariam dele, depois do jogo.

Em campo, a atração maior será o duelo entre o Rei Pelé e o jovem Cubillas.

O Brasil estava mudado (de novo!). Rivellino e Gerson voltaram ao time titular e Zagallo escalou Marco Antônio para jogar no lugar de Everaldo – que já era dúvida, por dores.

A bola rolou e o Brasil deixou claro que ia tomar as rédeas da partida. Antes dos cinco minutos, Gérson fez um lançamento magistral para Pelé dominar no peito, tirar a marcação com o joelho e chutar na trave. Na sequência, ele mesmo recuperou o rebote e, de calcanhar, serviu Tostão. O atacante brasileiro chegou chutando para fora. Baita cartão de visitas.

A próxima chance foi convertida em gol. Aos 11, Carlos Alberto cobrou lateral para Pelé que, mesmo estando na direita, faz um cruzamento com o pé esquerdo. Ao tentar dominar, o lateral Eloy Campos falha e deixa a bola justo nos pés de Tostão. De futebol simples e prático, ele ajeita para Rivellino que, chegando da ponta, dispara sua “patada atômica”. Unindo efeito e força, a bola faz sua trajetória plástica até parrar no canto esquerdo do arqueiro peruano.

O Peru ainda não tinha visto a cor da bola. Em sua primeira decida (tabelando, diga-se de passagem) o ataque blanquijorro achou Cubillas dentro da área. O “tapa” do camisa 10 parou em Félix.

Pele em ação contra o Peru.
Pele em ação contra o Peru. FOTO: avervo

Ao invés do Peru dominar as ações, o Brasil voltou a tomar conta do jogo. Um minuto depois do gol, mais uma das tabelas de Pelé e Tostão, que terminou com o camisa 10 sofrendo falta. Um recurso pouco usado pelo peruanos, vale lembrar. Na cobrança, o goleiro peruano Rubiños mostrou enorme precaução, ao montar duas barreiras de três jogadores. Com o meio aberto… Tirando a curiosidade do lance, não aconteceu nada de mais. Pelé mandou na barreira.

Mais dois minutos e Pelé arrancou, deu a Tostão, que lançou Rivellino na área. A zaga cortou na cara do gol. Instantes mais tarde, numa cobrança de escanteio curto (vejam só!). Mais uma tabela precisa, dessa vez entre Tostão e Rivellino, com o cruzeirense indo à linha de fundo e, ao invés de cruzar, disferindo um surpreendente chute cruzado para marcar o segundo.

Um show do Brasil. O terceiro saiu aos 17, quando Pelé cobrou uma falta indefensável (parecia o Rivellino)… mas não valeu. Era uma falta em dois lances. Na nova cobrança, nada feito. Foram vinte minutos onde os brasileiros sobraram em campo.

O Peru só foi ter outra chance de gol apenas aos 21 minutos. E que chance… Após uma tabela entre os dianteiros, Félix salvou à queima roupa. No rebote, mais uma saída arrojada do goleiro brasileiro, dessa vez nos pés de Gallardo. E mais uma vez, como já havia acontecido na Copa, se machucou.

Peru encarou o Brasil com um futebol técnico.
Peru encarou o Brasil com um futebol técnico. FOTO:acervo

O Brasil deu o troco quatro minutos mais tarde, com muita técnica. Um troca de bola impressionante entre Pelé, Tostão e Riva. Pura técnica! Rivellino ainda entortou o marcador e deu a bola a Pelé que, num ato de genialidade, encobriu o arqueiro peruano. Por um capricho a bola saiu.

Mal momento dos goleiros

O jogo era aberto e – o mais importante – bonito. Aos 27, novamente Gallardo (ex-Palmeiras) trouxe problemas. Após ser lançado em profundidade. O atacante driblou Carlos Alberto e chutou cruzado, praticamente sem ângulo. Parecia que Félix não teria problemas, mas o goleiro brasileiro foi mal na bola e aceitou. Os comandados de Didi  estavam de volta ao jogo.

Jogo esse que era tão bom que todo mundo queria atacar. Aos 30, Clodoaldo (que nunca fazia gol) arriscou de muito longe e bola passou perto. Seis minutos depois, foi a vez de Rubiños falhar feio… Um chute alto de Pelé lhe trouxe trabalho e a bola que escapou de suas mãos correu mansa até encontrar a trave. Ela ainda se reencontrou com o arqueiro peruano que se recuperou a tempo de agarrá-la sobre a linha de gol.

Primeiro tempo termina com muita ação

O Peru não deixou o ataque de lado. Aos 39, Mifflin recebeu com espaço, depois de uma cobrança de escanteio, chutando pra fora. Na pressão, um lance muito confuso dentro da área parou com o apito do árbitro. Pênalti? Não. Falta em dois lances. Muita reclamação com o árbitro belga Vital Loraux. Era a chance do empate ainda no primeiro tempo e, para tentar evitar, oito brasileiros na barreira. Cubillas dá uma cavadinha por cima da barreira, mas exagera e joga por cima do gol.

E ainda deu tempo de mais um ataque brasileiro. Rivellino deixou o zagueiro peruano deitado e, de bico, obrigou Rubiños a fazer boa defesa. A bola bateu no zagueiro e voltou para o goleiro… De bom tamanho para o primeiro tempo. O juiz o encerrou a primeira metade da partida e os times seguiram para o vestiário. Para a torcida, satisfação pelo grande espetáculo assistido.

Mais um começo fulminante do Brasil

Assim como no primeiro tempo, foram mais de 20 minutos de pleno domínio dos brasileiros no inicio da etapa final.

Logo aos quatro, Rubinõs cortou um cruzamento no pé de Jaizinho, que bateu no contrapé do goleiro. A bola passou raspando. O Brasil jogava com intensidade. Mais um minuto e a troca de passes do ataque canarinho achou Carlos Alberto, que chegava no apoio. O “Capita” mandou um chute forte que rebateu na zaga e voltou para o próprio lateral desferir outro chute. Rubiños teve trabalho.

A resistência peruana não passou dos oito minutos. Pelé recebeu livre na área e tentou cruzar, mas o desvio da zaga tirou o goleiro da jogada. A bola ia manda em direção ao gol ou ao pé do zagueiro, não fosse Tostão, que se atirou para desviá-la para as redes. Um dos melhores daquele time finalmente era premiado com bola na rede. E logo duas vezes.

Tostão vão parar dentro do gol.
Tostão vão parar dentro do gol.

O time brasileiro parecia ter uma condição física muito melhor que a dos peruanos. Jairzinho, aos 9 minutos, deu uma de suas arrancadas fulminantes, ganhou da marcação, tirou o goleiro e cruzou na esperança de que alguém completasse para o gol. A zaga tirou antes que acontecesse.

Foram mais dez minutos sem finalizações até que, Pelé deu um corta luz e a bola foi parar nos pés de Tostão. Em mais um lance de simplicidade extrema, o “Mineirinho de Ouro” rolou para Carlos Alberto Torres que livre, chutou para fora. Um pouco mais tarde, Rivellino avançou e cruzou para Pelé, que teve seu chute desviado pela zaga.

Como não havia mais o que perder, o Peru resolver atacar e mais uma vez mostrou qualidade. Em uma bela tabela, a defesa brasileira parou Sotil e Reyes, mas no rebote Cubillas chegou batendo de primeira, sem chances para Félix. Eram 24 minutos do segundo tempo e o jogo estava 3×2.

Gerson, que não estava 100%, deu lugar a Caju. Curiosamente, dos 57 passes que deu, o “Canhota” errou apenas um.

Rivellino esquentou a mão de Rubiños numa cobrança de falta aos 28. Dois minutos mais tarde, ele preferiu passar (de forma espetacular) para Jairzinho, que saiu na cara do goleiro. Depois de driblá-lo com tranquilidade, conduziu a bola ao ângulo mais favorável e mandou para o gol, mantendo sua formidável média de um gol por jogo.

Jairzinho instantes antes do gol. FOTO: Arquivo Nacional
Jairzinho instantes antes do gol. FOTO: Arquivo Nacional

Àquela altura, o Peru estava todo no ataque. Mas não conseguia levar perigo. Félix defendeu um chute cruzado de Eloy Campo e um tiro forte de Cubillas, mas sempre com muita segurança.

O Brasil já não era mais agudo. Depois dos 40 minutos, Roberto (que havia entrado no lugar de Jairzinho) chutou na rede pelo lado de fora, e Rivellino caiu na área numa disputa com o arqueiro adversário. Nada foi marcado. O própria Riva ainda disparou outra bomba, que Rubiños segurou a queima-roupa.

O jogo chegou ao fim com a bola nos pés de Cubillas. O jovem peruano enfileirava alguns jogadores brasileiros como um menino brincando de bola, já sem nenhuma pretensão. Coerente com aquele time despretensioso, que chegou mais longe do que se imaginava.

Um jogo para ser lembrado

Em seu relato pós-jogo, Victor Rego, da Folha de São Paulo, comparou o jogo a um “solo de violinos”. O jornalista ainda disse que “O Brasil jogou como devia. O Peru jogou como podia. O resultado foi um espetáculo de alto nível”. O tom da imprensa da época era otimista, mas ainda haviam ressalvas. Mas o que ninguém questionava era a qualidade daquele jogo.

Em momento nenhum o Brasil pareceu ameaçado pelo Peru. Mas a blanquirroja em momento nenhum se mostrou como uma equipe fraca. Foram dois times ofensivos e que praticaram um grande futebol. Uma classificação importante do Brasil e uma atuação honrosa para os peruanos.

Didi seguiria ídolo no Peru, assim como Cubillas. Aliás, depois dos cinco gols marcados e das grandes atuações, o camisa dez foi eleito ao fim daquela Copa como o melhor jogador jovem do torneio.

Aquela vitória sobre o Peru por muito tempo ficou lembrada como uma partida fácil, mas ao invés disso, prefiro acreditar que foi um jogo bonito. Um jogo em que o melhor time venceu e o perdedor jogou com classe. Coisa rara nos dias de hoje.

Ficha Técnica

LOCAL: Jalisco, Guadalajara.
DATA: 14 de junho de 1970.
PÚBLICO: 54.233 presentes.
ÁRBITRO: Vital Loraux (Bélgica).
GOL: Tostão (2), Rivellino e Jairzinho; Gallardo e Cubillas.
BRASIL – Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza (Fontana) e Marco Antônio; Clodoaldo, Gerson (Paulo Cézar Caju) e Rivellino; Pelé, Tostão e Jairzinho (Roberto). Técnico: Zagallo.
PERU – Rubiños; Eloy Campos, Fernandez, Chumpitaz e Fuentes; Mifflin, Challe e Cubillas; Baylón (Sotil), Gallardo e León (Reyes). Técnico: Didi.

 

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