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O FLAMENGO E O FUTEBOL BONITO DOMINANDO O BRASIL E A AMÉRICA

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Das frustrações dos anos anteriores ao êxtase total. Da tragédia absoluta para a consagração como um dos maiores times da história do futebol brasileiro – sobretudo neste século. O ano de um extremo a outro vivenciado pelo Flamengo quebra conceitos, eleva números e resgata a busca por jogar bem, outrora tão distantes do futebol no país.

O ano dos sonhos do flamenguista começa com um pesadelo: o desastre nas categorias de base do clube, no incêndio no Ninho do Urubu, que levou a morte de dez garotos que passavam a noite no alojamento do centro de treinamentos rubro negro. A tragédia deixou profundos abalos na nação flamenguista e nos familiares das vítimas.

Sem entrar no mérito das responsabilidades pelo ocorrido, aquilo poderia acabar com as perspectivas para o clube no ano. Logo num ano com o surgimento de novas expectativas, junto a chegada de uma nova direção que assume prometendo retirar o clube do marasmo dos últimos anos. Numa citação direta à fila de títulos que deixaram a equipe com a imagem do “cheirinho” e do time “arame liso”, desinteressado e acomodado que predominou nos anos anteriores.

Após o período de reestruturação financeira vivido, a grande bronca da torcida com a direção anterior era exatamente no que toca os resultados do futebol. Pode se dizer que o ano de 2019 do Flamengo começou exatamente no início do período em que o clube buscou se reestruturar e caminhar na direção da profissionalização de todas as áreas do clube. Quando decidiu caminhar para se organizar financeiramente e, com todo o potencial de arrecadação do Flamengo, passar a reduzir a dívida que empurrava e aumentava a décadas. Durante os anos da gestão Bandeira de Mello, vieram a redução de gastos com o futebol e a redução brusca do endividamento do clube. O grande problema, que no final foi a marca da gestão anterior, foi investimento errado no futebol. Quando o clube tinha condição de fazê-los, após se sanear, eram feitos em jogadores de qualidade, no mínimo, duvidosas.

Neste ponto, se vê a primeira diferença da nova gestão. De cara, em sua primeira temporada, gastos em contratações na casa dos 200 milhões de reais, buscando os melhores para cada posição formando um time com grandes jogadores em todos os setores do campo. Aqui percebe-se, também, um nível de eficiência muito alto no recrutamento e busca de oportunidades no mercado, obtendo um nível absurdo de acerto nas contratações, como vimos ao final da temporada. Todos os reforços integraram o time titular e tiveram participação importante nas principais decisões da temporada.

O único erro que ficou evidente foi na escolha do comandante. Em que pese a história do Abelão no futebol e todas as conquistas do passado, ficou muito claro que ele não era o nome ideal para o posto. Nem tanto por causa dos resultados, mas a forma de jogo e o desempenho do time era longe do que buscava o Fla. Para se ter ideia, a maior contratação do clube, o uruguaio Arrascaeta, não era desejado pelo treinador e não era sequer escalado, sobre o pretexto de que ele e o também recém-contratado Bruno Henrique não poderiam atuar juntos. Enquanto isso o desempenho do time, apesar dos resultados no Carioca, era sofrível, mas no habitual futebol reativo, que é padrão por aqui.

A correção de rota veio com a escolha que se provou acertadíssima. Rompe-se com a mesmice dos técnicos no mercado nacional e chega Jorge Jesus que, a despeito de sua bagagem no futebol europeu ,chegou com pinta de aposta pelo desconhecimento das ideias e até por preconceito baseado naquela máxima de “ganhou o que?” que impera no futebol destas terras.

Um ponto chave foi a parada da Copa América. Nela todos os times tinham a expectativa de se aprimorarem. Parecia, pelos discursos, que após a parada começaria a Premier League no Brasil! Difícil acontecer com a mediocridade dos técnicos e também dos elencos das equipes, cheios de jogadores medianos. De onde não se espera nada é que acaba não vindo nada mesmo.

O que havia de diferente eram as vindas dos Jorges. Jesus e Sampaoli. Aqui, nos atemos ao comandante do rubro-negro, embora o trabalho de Sampaoli – com um elenco bem inferior – também seja fantástico. A vinda de Jorge Jesus, inicialmente, foi recebida com desconfiança, mas após algumas semanas já se notava uma mudança na atitude e no desempenho do time. Apesar da eliminação na Copa do Brasil, o time já apresentava uma sensível melhora na organização e intensidade. A esta altura, a atuação de mercado do Fla voltou a chamar a atenção. Durante a pausa da Copa América, as excelentes contratações de Gerson, Filipe Luís, Rafinha e do então desconhecido Pablo Marí, se juntaram a Arrascaeta, Rodrigo Caio, Bruno Henrique e Gabigol se tornando igualmente fundamentais ao time.

Com todos estes jogadores, restou ao técnico fazer sua obrigação, já diria Renato Gaúcho. Mas não duvide que com Abel alguns reforços não seriam contratados e o futebol do time continuaria de péssimo nível. Pois Jorge Jesus contrariou outro conceito: o de que é necessário tempo para o resultado aparecer. Algo que, agora, soa como muleta para técnicos despreparados. Em algumas semanas encaixou todos os reforços e revolucionou o time no aspecto coletivo, mesmo com o campeonato brasileiro em andamento e as fases decisivas da Libertadores rolando. Ganhou respeito e confiança dos jogadores com isso e, com pouco tempo, o nível atual do time apareceu.

Um time que joga em altíssima rotação, se aproveitando da velocidade de Gerson no meio e Bruno Henrique na frente. Do talento e visão de Arrascaeta e Everton Ribeiro no meio e da força finalizadora de Gabigol. A consciência tática e visão de jogo de Filipe Luís, aliada a capacidade técnica de Rafinha, compuseram uma linha sólida e segura com Rodrigo Caio e o surpreendente Pablo Marí. Sem nos esquecer do excelente e seguro Diego Alves. Até mesmo Arão, outrora tão criticado e símbolo da falta de qualidade do time da temporada anterior, foi revolucionado pelo novo treinador e joga com muita segurança na proteção à zaga. Coletivamente o Flamengo de Jesus joga sempre no mais alto nível. Mudou a atitude. Quer jogo todo o tempo. Não tem dificuldades de ficar com a bola e demonstra intimidade com ela. Isso tudo sem ser uma equipe que ataca e é atacada de forma suicida. O time se defende pressionando e induzindo o adversário ao erro para recuperar a posse da bola. É futebol bem jogado em todas as fases do jogo. Algo que não se via por aqui faz anos, durante um período de doer os olhos, baseado no futebol reativo e  extremamente pobre. Aqui não se defende a discussão besta entre o jogar bonito e perder e jogar feio e ganhar. Defende-se o futebol bem jogado em todas as fases do jogo.

Os resultados foram os melhores possíveis. O time chegou à glória no fim da temporada, com algo muito importante: quebrou outra muleta tão cantada por aqui, utilizando os melhores jogadores quase sempre e em qualquer competição. Não poupou o time inteiro em um jogo ou priorizou competições. Não adotou desculpas para não vencer. Com isso, alcança merecidamente algo que era até então tido como impossível: o sucesso nos dois principais campeonatos que disputou.

E que conquistas! No brasileiro não teve pra ninguém. O Flamengo ganhou com quatro rodadas de antecedência e pulverrzou todos os recordes. Gols marcados, saldo de gols, pontos (90), vitórias (28), invencibilidade, artilharia e alguns outros menos destacados. Na Libertadores, o épico! O time, depois de 38 anos de campanhas sofríveis e traumas tantos, alcançou a final, que pela primeira vez foi disputada em jogo único. O palco era Lima, no Peru. Exigiu esforço imenso da confiante nação rubro-negra. Pois a torcida compareceu e apoiou enormemente o clube na batalha contra o outro grande time da América do Sul: o temido River Plate de Marcelo Gallardo.

O maior desafio foi dramático. Não bastasse a pressão de tanto tempo sem sequer disputar a taça, o jogo se apresentou terrível para os cariocas. Um gol no início, um adversário forte e bem armado pra neutralizar as armas do Flamengo. O que conseguiu por 70 minutos muito bem. Isso tudo junto levou a uma atuação abaixo do que o time mostrou até então. Aí se fizeram presentes outras grandes características desse Flamengo: a recusa de ser derrotado e a capacidade física.

Nos últimos 20 minutos, uma pressão absurda em busca do empate, coroada na bobeira do extenuado River que perdeu o controle e cometeu duas falhas bobas. A virada na velocidade de Bruno Henrique, oportunismo de Arrascaeta e de Gabigol. O Flamengo ia ao céu: campeão da América, com direito a confirmação do título brasileiro no dia seguinte!

O resto é história. E a discussão se este é o melhor Flamengo de todos ou não, eu deixo para os flamenguistas. Importante mesmo é que ficou claro que é possível fazer mais no futebol brasileiro. É possível buscar a excelência, ainda que com a limitação econômica em relação ao topo do futebol mundial. Dá para buscar um futebol melhor e mais bem jogado. Basta ter preparação, organização e sairmos do comodismo, para mudar o abismo de falta de qualidade em que estamos.

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