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A TRAGÉDIA DO SARRIÁ

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Nessa onda de Copa do Mundo, o Lembra Daquele Jogo revisita um marco da história do futebol mundial. Falamos da tarde conhecida no Brasil como a Tragédia de Sarriá. A ideia é falar do que rolou e dar algumas impressões pessoais sobre tudo o que cerca o jogo.

Foi o jogo mais marcante da copa de 82, aconteceu numa tarde de 5 de julho em Barcelona, exatamente onde mais tarde nasceu o time mais fantástico que eu vi jogar em meus 29 anos. Um time que se inspirou, entre outros, naquela Seleção Brasileira de 82. Falaremos mais sobre isso a frente…

Primeiro vamos contextualizar algumas coisas. O Brasil naquela época vivida internamente a era de ouro de seu futebol. Diferente dos dias atuais, onde só restam por aqui jogadores fracos, jovens com potencial para serem vendidos pra Europa – logo na primeira gracinha que fizerem – e jogadores em fim de carreira; naquela época boa parte dos craques jogavam por aqui. Na seleção, quase todos eram ídolos por aqui e se conheciam muito bem, algo que facilitava a empatia do torcedor com o time e a qualidade do próprio time.

Outro fato importante é a base daquela equipe, formada primordialmente por dois times: o Galo e o Flamengo. Essa é a parte que torna aquele time mais especial ainda, afinal de contas era a afirmação de um timaço da história do meu clube. Sorte do meu pai que via estes caras todo dia. Azar dele que existia o Flamengo com um grande time, mas que contava com um Wright aqui e um José de Aragão ali. Mas esse é outro papo. Importa é que eram os times que disputavam o protagonismo nacional naqueles anos.

Nosso Galo tinha naquele time Luisinho, Cerezo, Éder (sem falar de Paulo Isidoro, revelado por aqui) e o grande Telê, comandante e grande responsável por aquele futebol em estado de arte. O Flamengo tinha Zico (que meu pai não consegue assumir que era gênio, por obvia questão de rivalidade) Leandro e Júnior. Falcão (Roma) e Sócrates (Corinthians) completavam o time de craques. Serginho era o que destoava no time, outro que sofria a implicância (esta com toda razão) do velho (Ah, se fosse o Reinaldo! – dizia ele).

A Itália naquela época chegava em crise com a torcida e a imprensa. Aliás como quase sempre. E seu futebol, nacionalmente falando, estava abalado pelo escândalo do Totonero de 1980, o que fazia com que não fosse lá muito bem visto. A virada para o título se daria exatamente com a moral ganha neste dia.

Tudo isso somado ao excepcional e encantador futebol mostrado pela seleção canarinho durante a primeira fase dava o ar de otimismo e euforia de todos no Brasil antes daquele jogo. O time que jogava por música chegava com vantagem de poder empatar para se classificar. Já para os italianos só a vitória interessava. Estava tudo encaminhado para uma classificação sem muitos problemas. Todo mundo achava impossível aquele time perder… o problema é que estamos falando de futebol

Bom, vamos ao que rolou nessa fatídica tragédia.

Vendo o jogo, é legal notar que já começava a haver um jogo mais rápido, embora menos pegado e com menos divididas, mas mais próximo ao futebol de hoje.

O Brasil pressionou a defesa de início. Toque de bola de pé em pé e mudança de posição dos meias, algo que pode ser visto nos dias de hoje.

Apesar da preocupação com a defesa (marcação individual) a Itália saia para o jogo, pelo menos de início e após o seu primeiro gol também. Ao contrário da imagem de que aquele time só se defendia, algo como a ideia do “ônibus na defesa” criada por Mourinho, a Itália naquele jogo tentava atacar. Mas se concentrando mais na defesa e na marcação dos craques brasileiros, claro.

Paolo Rossi já mostrou desde o primeiro toque na bola que daria trabalho. Ele marca, aos 5 minutos, o primeiro da Itália. Era o primeiro dele na Copa! Ele terminaria artilheiro com 6 gols. A saída do meio campo do Brasil após o gol foi com tentativa de chute do meio campo, algo raro.

O Brasil continuava muito tranquilo seguro de que podia empatar a qualquer hora. O empate era do Brasil, mas eles sempre jogavam para vencer, algo que custou caro ao fim.

Aos 10 minutos a primeira grande chance perdida por Serginho.

Aos 12, o empate em sensacional tabela de Zico com Sócrates que recebe na cara do gol.

Sócrates, a torcida e os fotógrafos. FOTO: J. B. Scalco / Veja

Depois do gol do Brasil, a Itália voltou ao Catenaccio habitual. Um 3-5-2 quando ataca, com alas subindo ao ataque. Um 5-4-1 defendendo, com Grazziani, atacante, voltando para compor o meio. Enquanto isso o Brasil seguia atacando depois do empate. Um 4-4-2 típicamente brasileiro, com os meias junto aos laterais pelas pontas e ainda Sócrates – e as vezes Falcão – chegando ao ataque.

Júnior errava muito. Zico e Sócrates estavam jogando demais no início.

O jogo passava a ser o ataque do Brasil tentando penetrar a defesa italiana, esbarrando na marcação ou em erros de passes. Enquanto isso, a Itália parecia morta no jogo.

Aos 24, numa saída de bola, Cerezo erra um passe para Júnior, que chega atrasado no bote e Rossi chega na cara do gol pra colocar a Itália na frente novamente. Segundo dele no jogo com uma ajudinha do Waldir Peres (outro que destoava um pouco, bola defensável).

Rossi supera Waldir Peres.
Rossi supera Waldir Peres. FOTO: Ricardo Chaves/VEJA

A Itália saiu para o jogo novamente depois do segundo gol, provavelmente para fazer mais um e matar a partida. O Brasil seguiu com seu jogo e confiante em conseguir o empate.

Aos 33 Sócrates perde boa chance de empatar de cabeça. Bergomi entra no lugar do machucado Collovati, camisa 5. O jogo ficou um pouco mais ríspido a partir daí, com muitas faltas e pouco futebol.

Pra fechar o primeiro tempo o lance mais polemico deste jogo. O arbitro ignora um puxão de camisa dentro da área em Zico depois de enfiada de Sócrates. Zico mostra a camisa em farrapos ao árbitro, que ignora um lance de pênalti claro que poderia dar uma situação mais confortável ao Brasil para o intervalo.

Zico teve camisa rasgada na derrota que eliminou o Brasil na Copa do Mundo de 1982.
Zico teve camisa rasgada. FOTO: Arquivo Estadão

No primeiro ataque do segundo tempo, em grande troca de passes, quase Falcão empatava o jogo, mas a bola passou raspando na trave. Jogo mais lá e cá no começo. Brasil cria boas chances com Zico em cobrança de falta e Leandro. Serginho perde mais duas boas chances, uma delas cara a cara com o goleiro (mais uma vez: ah, se fosse o Reinaldo!).

A Itália àquela altura, só se defendia, mas chegou com perigo de novo com Rossi (sempre ele!) perdendo um gol cara a cara com Perez.

Aos 17, Dino Zoff defende mais uma boa jogada de Cerezo, aparecendo na área em tabela com Falcão. A Azzurra seguia abusando de faltas para parar o Brasil.

Aos 23, o lance que deu esperança aos brasileiros de que o sufoco acabava e tudo correria bem até o fim. Jogada de linda troca de passes que termina com Junior achando Falcão livre na entrada da área para fuzilar Zoff e empatar o jogo. Era tudo que o Brasil precisava. A partir dali a seleção canarinho controlava o jogo e ainda perdia algumas boas chances, tentando ainda se colocar a frente no placar. Simplesmente não sabiam jogar pelo resultado.

Falcão comemora o gol que deu esperança aos brasileiros.
Falcão comemora o gol que deu esperança aos brasileiros. FOTO: J. B. Scalco / Veja

Numa dessas, aos 28 quase Zoff larga uma bola nos pés de Paulo Isidoro – que entrou logo após o gol do Brasil.

Todos pensaram que estava resolvido e desenhado o caminho para a classificação. A Itália, mais uma vez parecia morta na partida. Ledo engano. O pior ainda estava por vir.

Numa cobrança de escanteio aos 29, Tardelli joga a bola para o meio da área, onde aparece o carrasco Paolo Rossi, no meio dos zagueiros, para dar o último golpe nos brasileiros. Marcava, já na metade final do jogo, o seu hat thrick na partida. Um dos mais importantes na história das copas.

A partir dali, pela primeira vez o time brasileiro saia de sua serenidade e, em choque, percebia que poderia perder a peleja.

Nestes minutos finais quase tivemos uma furada de Zoff. Tivemos um gol anulado por impedimento para a Itália. E claro, a defesaça do goleiro italiano em uma cabeçada de Oscar aos 43, após cobrança de falta de Eder. E Zoff voltou a salvar de novo, aos 46 em escanteio de Zico na derradeira chance do Brasil.

O relógio avança rapidamente para o Brasil e a Itália seguia concentrada em levar o resultado até consumar, ao fim do jogo, a tragédia de Sarriá.

A capa histórica do Jornal da Tarde.
A capa histórica do Jornal da Tarde. FOTO: Acervo O Estado de São Paulo

Tragédia consumada, depois de passado o clima de enterro que tomou conta de todos nos dias seguintes ao jogo (é sério, meu pai e tios consideram essa a maior decepção que tiveram com o futebol), hoje, quase 36 anos após o jogo, pode-se perceber o quanto aquele dia mudou este esporte.

Primeiro, o legado que eu considero ruim: a partir daquele dia passou a se valorizar a disciplina tática e o pragmatismo italiano como caminho para a vitória. A procura pela qualidade de jogo e o fascínio de praticar o esporte em estado de excelência e arte, jogando para fazer bem feito em vez de ganhar. Isso ficou em segundo plano, numa mentalidade que perdurou por uns 30 anos após aquela partida.

Mas teve o legado positivo: esse é o time que fica vivo na memória de todos desde aquele jogo até os dias de hoje. Como referência de futebol que dá prazer, tanto para quem vê, quanto para quem pratica. Uma referência do futebol brasileiro resgatada no Barcelona de Guardiola, que tanto me encantou recentemente e que privilegiava o jogo de Messi, Iniesta e Xavi, fazendo as coisas de um jeito que mudasse a maneira de se jogar futebol. O time que foi reverenciado pelo espanhol como sinônimo de sua forma de ver o jogo.

Aquele Brasil derrotado naquele dia acabou por entrar para a história por mostrar que vencer é só um detalhe.

Seleção brasileira de 82. FOTO: Acervo CBF
Seleção brasileira de 82. FOTO: Acervo CBF

Ficha Técnica

LOCAL: Sarrià, Barcelona, Espanha.
DATA: 05 de julho de 1958.
PÚBLICO: 44.000 pagantes
ÁRBITRO: Abraham Klein (Israel)
BRASIL – Waldir Peres, Leandro, Luizinho, Oscar e Júnior; Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico; Éder Aleixo e Serginho Chulapa (Paulo Isidoro). Técnico: Telê Santana.
SUÉCIA – Zoffi, Oriali, Scirea, Colovatti (Bergomi) e Cabrini; Gentili, Bruno Conti, Tardelli (Marini), Antognioni e Graziani; Paolo Rossi. Técnico:  Enzo Bearzot.

Se quer tirar suas próprias conclusões, vale a pena rever o jogo na íntegra. Vai que você acha que esse time não era aquilo tudo…

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