A RIO 2016 PELOS OLHOS DE QUEM FOI
Os Jogos Olímpicos do Rio acabaram. Já contamos as histórias de conquistas, derrotas e superação, além de exaltar os momentos em que o espírito olímpico se fez presente ou não. Mas ainda faltava alguma coisa. Nós queríamos saber o que ficou dos jogos, principalmente para quem foi vê-los de perto. Por isso, resolvemos conversar com pessoas que foram às competições para saber delas quais foram as impressões deixadas pelas Olimpíadas do Brasil.
Contamos com a colaboração dos nossos amigos Sara de Moraes e Sérgio Rosa, jornalistas, do publicitário Anderson Batista e do nosso editor da coluna de Fórmula 1, Rodolfo Rodrigo. Sara viajou ao Rio para assistir as competições de atletismo e triatlo, enquanto Sérgio viu a semifinal do futebol feminino e o atletismo, justamente no dia do recorde nos 400m masculino e do triunfo de Bolt nos 100m. Anderson foi ao Rio ver o handebol e em BH viu um dos jogos de futebol. Já Rodolfo acompanhou a decisão do bronze no futebol masculino, no Mineirão.
Medo do terrorismo
Antes dos Jogos, o medo do terrorismo foi assunto de todas as discussões e quase fez com que Sara desistisse de ir ao Rio. “Compramos os ingressos com dois anos de antecedência, no primeiro lote. Não fosse por isso talvez não tivéssemos ido, pois bateu medo de acontecer algum ataque terrorista. Evento de repercussão mundial… sabe-se lá, né. Mas os locais de competição estavam blindados. Isolamento, detector de metais, revista… Claro que isso fez a fila aumentar um pouco, mas o torcedor que chega em cima da hora também tem culpa nesse cartório!”, disse.
Estrutura das sedes
Ainda no campo da polêmica, abordamos a questão da estrutura montada no Rio para as competições. Para Sérgio, a experiência foi positiva e sem grandes percalços. “Os voluntários sempre tinham informações e alguns deles tinham um bom nível de inglês. O sistema de transporte funcionou sem maiores problemas também”, disse. Anderson também não encontrou dificuldades no dia em que foi ver o handebol. “O que mais chamou a atenção foi que todas as informações que eu pedi foram muito bem dadas (achei o pessoal bem receptivo, e até os voluntários que não estavam trabalhando me ajudaram). Um ponto negativo foi que ao chegar na Arena do Futuro, o pessoal das catracas impediu a entrada das pessoas que estavam sob a chuva”, afirmou.
Ele acredita que o fato do handebol ser uma modalidade menos popular ajudou a fazer com que o trajeto até o Parque Olímpico, apesar de longo, fosse tranquilo. Aliás, sua principal reclamação foi o fato de tudo ser muito longe. Anderson, que se confessou surpreso pelo fato de tudo ter ido bem, afirmou que o fato de ter chegado e usado o cartão de passe único no transporte coletivo, facilitou bastante o processo.
Ao contrário dos dois, Sara se deparou com alguns contratempos e reclamou da falta de treinamento de quem estava no stand de informações. “Estávamos no Boulevard Olímpico e queríamos ir para Jacarepaguá, onde estávamos hospedados. O voluntário nos olhou com cara de interrogação, passou a bola para a colega que respondeu ‘só sei dizer como chegar lá se primeiro vocês forem pra Madureira!’. Depois descobrimos que haviam formas mais rápidas de chegar onde queríamos, mas ninguém sabia dizer ao certo, nem o Google, que não estava atualizado quanto às mudanças no transporte público do Rio”.
Quanto a BH, sede do futebol, opiniões distintas. Para Rodolfo, a logística para a realização dos jogos de futebol das Olimpíadas pareceu melhor que a da Copa do Mundo. Nosso editor disse que “a implantação da linha 55 do MOVE (Mineirão) facilitou o transporte dos espectadores. O tempo gasto para chegar e sair do Mineirão foi bem menor que na Copa do Mundo”. Porém, ele ressalta que o fato do público ter sido bem menor que Argentina x Irã (jogo ao qual ele foi na Copa), facilitou a logística. “Os demais elementos de controle e segurança no Mineirão foram muito próximos ao da Copa do Mundo”, afirmou.
Já Anderson foi taxativo com relação ao despreparo de Belo Horizonte para receber os jogos. “A frota de ônibus não havia sido aumentada, e por isso, perdi 3 ônibus que passavam extremamente lotados e nem paravam mais nos pontos, gerando frustração e um tumulto imenso. O trânsito até o local não foi favorecido para quem ia assistir os jogos, e por isso levei 3 horas para chegar ao Mineirão. Nas redondezas do estádio também foi um caos, pois a Polícia Militar não conseguia controlar a multidão: daí mais demora para entrar”, reclamou.
A título de curiosidade, Rodolfo levantou uma questão que deve ter incomodado boa parte dos espectadores que gostam de levar uma lembrança dos eventos para casa. No Mineirão, as bebidas não foram servidas em copos personalizados das Olimpíadas, como foi feito no Rio de Janeiro. “Eu, como gosto de guardar lembranças de eventos que eu vou fiquei decepcionado. E outras pessoas lá presentes tiveram o mesmo sentimento”, lamentou.
Preços
Não foram só os valores de ingressos que assustaram. Sara ficou impressionada com os preços dos alimentos nas áreas restritas: “Um picolé de limão custava R$10”! O problema também foi relatado por Rodolfo, em sua ida ao Mineirão: “Vinte reais por um tropeiro e 13 reais por um latão de cerveja eu considero um valor um pouco exagerado”.
A participação da torcida
E a torcida compareceu às arenas! Sérgio, por exemplo, chamou atenção para a lotação do Engenhão (no atletismo) e do Maracanã (no confronto Brasil x Suécia). Entretanto, Sara se deparou com uma realidade diferente, com as competições de atletismo vazias. Segundo ela, apesar da organização culpar a distância, ela acredita que o problema foi o preço. “Encher um estádio do tamanho do Engenhão com ingressos na casa dos R$180?! Faltou visão do jogo econômico por parte dos organizadores. O triatlo, que tinha um preço mais razoável (R$70) estava lotado!”, ponderou. Temos que colocar na conta também o status dos atletas que estavam envolvidos. Dia de Bolt nas pistas, ou de Phelps nas piscinas, era sinônimo de casa cheia.
Se na Copa do Mundo várias pessoas elogiaram a forma efusiva dos latinos de torcer, nos Jogos foram várias reclamações do comportamento dos brasileiros e dos argentinos, principalmente.
No aspecto vaia, Sérgio foi bem taxativo: “A minha opinião é que não se deve vaiar em jogos olímpicos, pois não é simplesmente uma competição esportiva. As olimpíadas buscam mostrar e valorizar outro lado da competição. A uma olimpíada que já sofreu bastante com a questão do doping, soma-se a ‘invenção’ da vaia olímpica”. Ele pontuou que na partida entre Brasil x Suécia as vaias da torcida brasileira se limitaram àquelas tradicionais do futebol (cobrança de escanteio, suspeitas de cera, etc), mas ainda assim geraram estranheza nos estrangeiros. Porém, Sérgio acha que essa é uma questão que vai perder importância com o tempo, até porque, até onde ele soube as vaias não foram recorrentes em todas as modalidades.
Nas modalidades que Sara acompanhou, o único comportamento ofensivo que ela presenciou por parte da torcida, foi a de um senhor bastante mal educado que gritava “erra!” durante o lançamento de martelo. Segundo ela, “foram tantos olhares recriminadores que o senhor logo parou”. Sara destacou também o incentivo da torcida aos brasileiros, mesmo quando estavam em posições sem chance de medalha, e aos retardatários nas provas de fundo (5000m e 3000m com barreiras).
Já Anderson percebeu uma torcida bem participativa no jogo de futebol do Brasil, porém presenciou duas brigas, motivadas por rivalidades de torcedores de times da cidade. Ele ressaltou a interação dos atletas com a torcida, nas modalidades que assistiu, que agradeceram bastante o apoio e entusiasmo. As manifestações políticas também se fizeram presentes. “Eu presenciei bastante protesto de cunho político, tipo ‘Fora Temer’, o que eu achei bem pertinente”, contou.
No Mineirão, Rodolfo notou o curioso fato de que toda torcida foi alocada no anel inferior do estádio, já que o confronto entre Nigéria x Honduras atraiu pouco público. Por outro lado, todos puderam ver o jogo bem de perto. Ele destacou a presença dos torcedores estrangeiros: “tinha torcedores da Nigéria, vi uma pessoa com a camisa de Honduras e inclusive turistas de outros países (só não consegui identificar a nacionalidade, mas eram orientais)”.
O legado das Olimpíadas Rio 2016
Mas como ficará a cidade do Rio? É uma nova cidade ou uma cidade montada para os jogos? E o “legado olímpico”, como fica? “A impressão foi que a cidade estava em um estado de “suspensão” para realizar os jogos, principalmente nos quesitos segurança e transporte. O primeiro, acho que dificilmente vai mudar após os jogos, principalmente com a saída do exército. Já em relação ao segundo, parece que haverá, sim, melhoria no sistema geral. O metrô do Rio é conhecido por não ser um dos melhores, e acho que recebeu uma boa melhoria”, analisa Sérgio. Ele também disse que viu o VLT circular na região central da cidade, mas não saberia avaliar a sua relevância. Sérgio acredita que haverá algum nível de legado olímpico, pois “os moradores do Rio valorizam muito a questão da prática de atividades físicas em espaços públicos. Acho que é uma questão de saber conectar a população à estrutura deixada pelos jogos”.
Anderson viu uma cidade em que nem tudo estava pronto e que o legado não será bom. “Eu vi várias passarelas e estruturas metálicas montadas às pressas, vi material de construção e coisas “fora do lugar”. Pela cidade eu vi uma maquiagem muito forte, havia vários painéis que cobriam a vista para lugares menos favorecidos, como as favelas. Na minha opinião, apesar da promessa de que o parque olímpico vai continuar a receber eventos, o Rio não terá um bom legado”, pontuou.
Quanto à cidade, em alguns aspectos, ela foi montada para os jogos, sim! Todos comentavam o quanto o Rio estava mais seguro. Havia autoridades de segurança por todos os lados que vão abandonar a cidade assim que a tocha paralímpica se apagar, mas outros benefícios são notórios, especialmente no quesito transporte! Uma linha de metrô que chega até a barra era um sonho antigo dos cariocas que só se concretizou graças às Olimpíadas.
Momentos marcantes
E claro, não podíamos deixar de apontar os momentos mais marcantes, pois é isso que move os Jogos Olímpicos. Saber que você fez parte e assistiu de perto algum momento histórico como foi o caso do Sérgio, que viu a quebra de um recorde mundial na final dos 400m masculino (que durava desde 1999!). Ou ver no final do triatlo, o britânico Alistar Browniee esperar seu irmão para passarem pela linha de chegada juntos, como Sara pôde fazer. É o tipo de lembrança que se leva para a vida.
Mas é quase unânime que a reunião de vários povos foi o que mais chamou atenção de quem foi ao Rio. O próprio Sérgio ressalta que “sem dúvida, o mais marcante foi ver tanta gente de diferentes partes do mundo num mesmo lugar, por causa de um evento”. Então, era só ficar de bobeira pelo parque olímpico, como fez Anderson, para ver várias pessoas de todas as partes do mundo e, como ele mesmo contou, “ver os atletas passeando pelo parque lado a lado com as pessoas que foram assistir foi bem legal. Acho que eu vi o verdadeiro espírito olímpico“.
E esse tal de espírito olímpico? Segunda a Sara ele existe e foi o que mais a impactou. Mais que estrutura e os jogos em si. “Não é conto da carochinha! Ele existe de verdade e está presente no agir da imensa maioria dos atletas, na convivência pacífica dos torcedores. É uma sensação tão forte que o desejo que fica é que todos os impasses e rusgas do mundo fossem resolvidos numa disputa justa sem armas. Só esportes”. Essa ideia seria fenomenal.
Pelo visto tivemos uma Olimpíada única. Latina, com calor humano e forte participação das arquibancadas. Tivemos problemas de organização, logística e com o poder público, como é comum em nosso país. Vimos momentos históricos e, cada um com seu ponto de vista, vimos um pouco do que são os Jogos Olímpicos. Uma grande festa do esporte e dos povos.
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