A HISTÓRIA DO MUNDIAL DO GALO
O Galo já teve o melhor time do mundo. E talvez um dos maiores da história do esporte. E nem faz tanto tempo assim. No fim dos anos 90, o Clube Atlético Mineiro montou uma das mais esplêndidas formações que o futsal já viu.
Hegemônico em Minas, vencedor no Brasil e histórico a nível mundial. O Galo reuniu craques num mesmo time como poucas vezes se viu no futsal brasileiro. Rivalizou com o Vasco, que fez um time tão forte quanto, e superou equipes tradicionais do esporte, como o GM e o Carlos Barbosa.
Resolvemos resgatar a história daquele time lendário e, para tanto, buscamos alguém que viveu de perto aquela história. Atílio Dias, supervisor do Atlético/Pax de Minas durante sua curta mas emblemática existência, entre 1997 e 2000). Atílio nos deu um panorama do que foi aquele time que ficou na história e no coração do torcedor atleticano.
1. Como foi a montagem daquele time? Havia estrutura?
Vamos lá. A montagem do Atlético/Pax de Minas teve inicio em setembro de 1996. O dono da Pax, Zé Roberto Reis de Carvalho, veio até o sul de Minas, na minha terra natal, Campanha, para assistir os jogos tradicionais da cidade e para me conhecer e conversarmos.
Eu havia participado da primeira Liga como terceiro supervisor do Arsenal/Texaco de Belo Horizonte, o que me deu experiência. Eu sabia como funcionava a Liga Futsal. Na época, eu estava procurando um patrocinador para o Arsenal, pois sabia que a Texaco iria sair ou reduzir muito o investimento. Portanto, seria como unir o útil ao agradável, juntar o Arsenal – que tinha a vaga – com a Pax de Minas – que queria fazer parceria com uma equipe de Liga. Num primeiro momento seria assim, mas eis que surgiu a oportunidade de fazer a parceria com o Atlético Mineiro! Foram algumas reuniões até fechar.
Fechado com o Galo, precisávamos da vaga na Liga. Aí, a Penalty, que fornecia o material do clube, cedeu a franquia e ficou tudo certo. Eu ainda tentei levar um dos supervisores do Arsenal para a parceria, mas o Zé Roberto exigiu que fosse eu mesmo. Bem ai foi outra “novela”. Mas fui feliz! Tripliquei o orçamento e trouxe a Comissão Técnica (Miltinho e Rogério), além da base do Wimpro (Rosinha, Paulinho Japonês, Vinicius, Euler e Brigadeiro) e mais Vander Carioca e Índio, que já haviam trabalhado com o Miltinho e estavam na GM. Depois, Fabinho do Corinthians e Almir do Palmeiras se juntaram a base mineira que tínhamos (Digo, Renato, Piu, Ronaldo, Véio, Dedei, Hudson, Ivan). Estava formado o Atlético/Pax de Minas, que era considerado uma quinta ou sexta força da Liga.
Com a união mineira/paulista, sob comando do Miltinho, a equipe foi ganhando força. Dentro do Colégio Magnum (onde a equipe mandava seus jogos) a massa fazia a diferença e não perdíamos para ninguém lá. Veio o mata-mata e fomos tirando os favoritos. Primeiro o Corinthians, depois o Carlos Barbosa e, na grande final, o Banespa, no Mineirinho com os 17 mil pagantes.
Sobre estrutura, era complicado, viu! Na verdade, o Galo não tinha o que oferecer. Tivemos que pagar academia, ginásios, etc. Conseguimos algumas parcerias, mas era tudo com a Pax de Minas. Resumindo: o Galo nos dava o uniforme, a Penalty – via Galo – nos deu a vaga na Liga e o clube nos deu seu maior patrimônio – a força da torcida, que “comprou” a ideia e era fantástica.
2. Foi muito difícil o trajeto do começo do time até o título mundial?
Por incrível que pareça, parecia hiper difícil, sim. De quinta ou sexta força até ganhar uma Liga Nacional com apenas cinco meses de formação? Nem no melhor sonho parecia possível! Mas com o titulo, tudo mudou radicalmente. Começamos a ser respeitados por todos atletas de seleção brasileira queriam vir jogar na sensação do Futsal do Brasil. Conseguimos manter 70% da base: saíram Vander Carioca, Paulinho Japonês, Vinicius e Almir. Mas vieram Manoel Tobias e Lenisio e, no meio da Liga, recuperamos o Jorginho, que estava parado, além da vinda do goleiro Rogério.
Mas acabamos tendo muitas contusões na Liga, não fluiu como em 97 e fomos desclassificados pela GM logo no primeiro mata-mata. Entretanto, tínhamos a vaga do Mundial na Rússia. Naquela época, não existia o Sul-Americano e ia para Mundial o brasileiro vencedor da Liga. O Internacional em parceria com a Ulbra havia ganho a primeira Liga, foi para o Mundial na Rússia com uma seleção (Manoel Tobias, Serginho, Waguinho, Vandré, Júlio Cesar…) e perdeu (para o MFK Dina Moscou). Isso nos fez ligar o alerta total. E tínhamos o Manoel Tobias, que tinha vivenciado isso tudo.
Foi ai que tive que trabalhar muito para fornecer o que o Miltinho e CT precisavam para uma preparação fantástica. Ir para Moscou só com três dias de antecedência era suicídio. Mas como fazer? Os Russos só davam três dias, contando com o da chegada. Na época, jogávamos numa quadra de 32×17 m. Lá, era 40×20 m. A bola lá era maior e mas leve. A regra FIFA lá era diferente do que praticávamos aqui. Sem falar que o Dina Moscou era a seleção Russa.
Foi aí que fui feliz em conseguir um pré temporada de 7 dias em Roma, com uma parceria com a Lazio, para realizarmos três jogos com eles. Já com a bola do Mundial, a quadra de 40 x 20, adaptação de fuso horário, climatização, etc. Com certeza fez toda a diferença…
Chegamos em Moscou 80% adaptados a essas diferenças. Acabamos perdendo o primeiro jogo, mas dai em diante jogamos muito, aplicamos uma goleada no segundo jogo e na grande final foi um 4×3, num jogaçooooo! Como bem diz nosso hino: “Honramos o nome de Minas no cenário esportivo mundial”. Lutamos, lutamos, lutamos e vencemos e vencemos. Atético Mineiro/Pax de Minas – CAMPEÃO MUNDIAL DE FUTSAL EM 1998. Com apenas dois anos de formação.
3. Qual o diferencial daquele elenco?
Parece frase feita, mas formamos uma FAMÍLIA. A comissão técnica traçou a meta e sabíamos onde podíamos chegar. As reposições foram pontuais. O Manoel Tobias, com a experiência do ano anterior, ajudou muito no extra quadra também. Recuperar o Jorginho foi algo inesquecível. Ele chegou com 50kg, parado há quase 6 meses. Passou por um tratamento de choque para deixar as drogas e foi importantíssimo nessa conquista.
4. Qual o momento mais marcante da caminhada até o título?
Nossa! Foram vários!!! Mas, na passagem por Roma, tivemos a honra de assistir uma Missa no Vaticano celebrada pelo Papa João Paulo II. Aquele momento de fé e de concentração nos deu uma força extra, com certeza. Mesmo os evangélicos e espiritas da delegação puderam sentir aquela energia e nos uniu ainda mais para a conquista histórica.
5. Alguma história curiosa ou engraçada?
Muitas, rsrssr. Nosso massagista, o Chiquinho, no aeroporto de Roma correndo atrás de nosso baú de material. Ele foi feito por encomenda e ficou maior do que o padrão. Não conseguiram alocar na esteira do embarque. Quando ele viu o baú ser retirado, com todos os nossos uniformes, queria ir atrás e acompanhar até vê-lo entrar no avião.
No hotel de Moscou, numa das preleções com vídeo do Miltinho, alguém tossiu no banheiro. Como estávamos todos vendo o vídeo, fui ver. Estávamos sendo “espionados” nessa preleção por um membro da comissão técnica do time Russo. O cara saiu numa sem graceja fora do comum rsrssrs
6. Você tinha ideia, naquela época, do tamanho que aquele time tinha para a história do futsal?
Sinceramente, não! Conquistar a Liga com cinco meses de formação, já seria fantástico! Ser campeão Mundial com dois anos, parecia ficção, rs. Depois, ainda veio o ano de 1999, com o maior time que o Brasil já teve no Futsal. Rogério, Manoel Tobias, Índio ou Euler, Falcão, Cacau e Lenísio. Ainda tinha Piu, Saad, Kelson… E o bi da Liga mais qualificada até hoje. E com tudo contra, em 2000 ainda fomos vice da Liga e vice Mundial, pois não conseguimos fazer a mesma preparação de 98. Fomos direto e, numa infelicidade, perdemos no golden gol para o Cajá Segovia, da Espanha.
Com certeza, o Atlético/Pax de Minas está entre as cinco maiores equipes do Futsal Nacional. Em quatro anos, três finais de Liga, com dois títulos. Um Mundial e um vice mundial. Vieram também quatro títulos metropolitanos e três estaduais. No juvenil viramos referência. Com um título da Taça Brasil e um vice. E claro, maiores públicos mundiais no Mineirinho: 17.000 em 97 e 27.000 em 99.
E foi como uma passagem de um cometa. Rápida e marcante. Aquele time jamais será esquecido por quem o viu. Quando vamos ver os dois maiores jogadores do esporte juntos de novo? Com a mesma camisa? Vai saber. O importante aqui foi recontar essa história, para que ela não seja tão alheia as novas gerações, que não tiveram a chance de ver os espetáculos dados pelo Atlético/Pax de Minas.
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