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FLAMENGO, ATLÉTICO, ARAGÃO E A FINAL DO BRASILEIRÃO

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Um dos maiores duelos do clássico entre Flamengo x Atlético aconteceu em 1980 e valeu o título brasileiro daquele ano. Vamos relembrar um confronto fantástico entre o Galo de Reinaldo e o Flamengo de Zico, no Maracanã lotado, com direito a título, polêmica e muitos craques em campo.

O contexto do clássico

Dois esquadrões fantásticos que se destacaram no cenário nacional no final dos anos 70 e que seriam as maiores forças daquela década que se iniciava. Tanto que foram a base da inesquecível seleção de 1982.

O Atlético, contando com um time veloz e extremamente agressivo no ataque, tinha um grupo repleto de craques: Reinaldo (o maior deles); Luizinho, no comando da zaga; no meio, a dupla Cerezo e Palhinha; e no ataque, Éder, como o parceiro ideal do Rei, ajudando a desmantelar as defesas adversárias.

O Flamengo tinha outro timaço, tido por muitos como o melhor de sua história – embora já tenha quem fique na dúvida, pela comparação com esse time de 2019. Raul, na meta; Júnior na lateral esquerda – mas também como outro armador, se juntando a um meio com Andrade, Carpegiani (que meses depois viraria técnico do time graças à morte de Coutinho), Adílio, Tita e o craque Zico colocando os adversários na roda e acionando na frente o ótimo Nunes.

Ambos davam espetáculo em seus jogos, empolgavam seus torcedores e quem os assistia e não é exagero dizer que qualquer um dos dois mereciam levar o título naquela noite. Mas, obviamente, só um se sagraria campeão brasileiro. É bom dizer que, por tudo que envolve uma final, o futebol apresentado por ambos na decisão tenha ficado abaixo do que as equipes poderiam produzir.

O Flamengo buscava ainda seu primeiro titulo e o Galo buscava o segundo – depois da imensa decepção de 1977. Para chegar à decisão os dois passaram pelas intermináveis três fases anteriores à final. 304 jogos depois, eles chegaram à finalíssima. O Atlético Mineiro vinha com moral ao passar na semifinal pelo Internacional (campeão invicto no ano anterior) com um empate por 1×1, em Belo Horizonte, e uma vitória com autoridade por 3×0, em pleno Beira Rio. O Flamengo, também com moral elevada, passou com duas vitórias pelo Coritiba, por 2×0 fora e 4×3 no Rio. Pelas bizarrices dos regulamentos da época (que mudavam ano a ano e tinham cada vez mais invenções), naquele ano o Flamengo ganhou o direito de decidir em casa – por ter passado na fase semifinal com duas vitórias contra uma vitória e um empate do Atlético.

No primeiro jogo da final o Atlético venceu no Mineirão por 1×0, gol de Reinaldo, num jogo que o Flamengo atuou sem Zico e pôde se considerar satisfeito com o placar. No fim do primeiro encontro, houveram diversas provocações de parte à parte que punham fogo na final no Rio. O Galo chegaria ao segundo jogo podendo empatar, já que havia vencido o primeiro jogo. Não importava o saldo de gols ou os gols como visitante como ocorre hoje.

Reinaldo marca no Mineirão.
Reinaldo marca no Mineirão. FOTO: acervo

O ambiente no Maracanã

Assim, para consagrar aquela brilhante equipe e ajudar na conquista inédita, o Flamengo teria a força da Magnética para empurrar a equipe no velho Maracanã, palco perfeito para o espetáculo esperado para aquele dia. Não foram poucos os atleticanos que foram a capital fluminense. Eram 155.355 pagantes (sem contar os que entraram de carona, algo comum na época), em sua maioria rubro-negros, proporcionando a renda recorde do futebol brasileiro até então – Cr$ 19.726.210,00 cruzeiros -, embora não fosse recorde de público.

Festa da torcida do Flamengo no Maracanã.
Festa da torcida do Flamengo no Maracanã. FOTO: acervo

O ambiente era de pressão absurda no estádio. A velha euforia e festa da torcida rubro-negra e a tensão pelo grande desafio que vinha pela frente também estavam presentes. Na transmissão foi mencionada uma confusão para iniciar a partida, devido a presença no gramado de galinhas pretas simbolizando o urubu, mascote dos cariocas – provavelmente algo mal planejado pela diretoria do clube. Também é possível notar pela transmissão que havia pressão até no cara-ou-coroa, com diversos repórteres e jogadores em torno do arbitro José de Assis Aragão. Tudo para decidir de quem seria a escolha do campo ou da bola.

O Jogo decisivo

O nervosismo e pressa dos jogadores era notável no início. Tita já levou amarelo logo com um minuto de jogo, por entrada por trás em Jorge Valença.

Num passe errado de Carpegiani na saída de bola do Flamengo, aos 3 minutos, foi o Galo que teve a primeira grande chance. Numa enfiada de Reinaldo para Palhinha, que cortou pro meio e bateu ao lado do gol.

E numa saída maluca de Osmar – que correu com a bola até o ataque do Galo -, a bola sobrou logo nos pés de Zico. No contra-ataque, ele enfiou para Nunes que, na cara de João Leite, tocou na saída do goleiro e abriu o placar, logo aos 7 minutos.

Nunes abre o placar. FOTO: acervo
Nunes abre o placar. FOTO: acervo

Imediatamente no lance seguinte, aos 8, os mineiros mostraram que não sentiram o golpe e chegaram ao empate. Em jogada aberta com Éder e Jorge Valença pela esquerda, a bola terminou com Reinaldo achando espaço, levando dois zagueiros na pequena área e, quase sem ângulo, colocando no canto de Raul. Maracanã calado pela primeira vez naquela noite.

Como no primeiro gol, as escapadas de Éder pela esquerda seguiam funcionando. Aos 11, ele driblou a zaga do Flamengo e teve a chance na frente de Raul, mas tentou por cobertura e jogou por cima.

Os dois times esfriaram um pouco o ímpeto inicial e o Flamengo tentou chegar mantendo a posse e com muita gente no ataque. Assim, conseguiu ter mais controle do jogo, enquanto o Galo se preservava no campo de defesa, tentando sair nos contra-ataques. Entretanto, o time mineiro começou a abusar um pouco das faltas, tanto que no meio do primeiro tempo já tinha Chicão e Cerezo amarelados. O jogo começou a ficar mais brigado e tenso.

Numa dessas faltas, a cobrança curta terminou na entrada da área, nos pés de Júnior, que quase acertou o ângulo de João Leite, aos 27. O Flamengo começou a dominar e se lançou mais ao ataque. Na sequência, Reinaldo teve uma chance pela ponta direita, conseguindo espaço para finalizar para fora em mais uma boa chance do Galo.

Aos 41, num dos contragolpes que o Galo conseguia, Palhinha saiu lançado quase na entrada da área e ficou sozinho com o goleiro, mas foi parado com falta por trás – que não rendeu nem amarelo para o zagueiro flamenguista. Não bastasse, na cobrança, o árbitro deixou a barreira rubro-negra quase em cima da bola.

Quase no fim do primeiro tempo, aos 44, na sequência de uma confusão em uma falta na lateral – com uma boa vontade do bandeira na marcação da mesma – Júnior deu um chute que rebateu na zaga. A bola sobrou nos pés de Zico, que mandou na gaveta de João Leite, colocando o Flamengo em vantagem antes da ida aos vestiários.

Zico comemora o gol.
Zico comemora o gol. FOTO: acervo

O segundo tempo começa mal para o Galo

O Atlético voltou para o segundo tempo com Silvestre no lugar de Orlando. No fim do jogo ele ficaria marcado pelo lance decisivo da partida. Do lado do Flamengo, logo no início, Júnior é amarelado.

O jogo recomeçou mais movimentado, mas com erros de parte a parte, sem grande perigo nos primeiros lances. Aos 8 minutos, Zico partiu sozinho pra cima da defesa do Atlético e só foi parado com uma falta perigosa sobre a linha da grande área. Enquanto isso, o Galo sofria a primeira baixa por lesão. Logo Luizinho, fundamental! O pilar da zaga do Galo. Entrou Geraldo.

Logo em seguida, o segundo golpe para os atleticanos. Reinaldo sentiu lesão muscular numa corrida. Ele, que estava bem “inteiro” naquela temporada – sem os problemas graves no joelho, que tanto lhe atormentaram -, sentiu uma lesão muscular que, segundo contou mais tarde, nunca tinha ocorrido antes. A torcida do Flamengo imediatamente provocou o craque adversário, aos gritos de “bichado! bichado!”.

Com problemas na partida, o Galo ficou acuado e desorganizado, enquanto o Flamengo, com resultado favorável diminui o ritmo.

Aos 20 minutos, Júnior – que naquele time do Flamengo, às vezes se juntava ao meio campo, mais centralizado, como um armador -, enfiou uma bola para Nunes, de frente para o gol. Ele bateu cruzado, rente a trave. Parecia que o Atlético estava condenado à derrota.

A redenção de Reinaldo

Na saída do tiro de meta, um lance de pura classe. O Galo saiu de sua defesa e foi tocando a bola até Palinha, que abriu para Éder na esquerda. Ele cruzou com precisão para Reinaldo. Com sua categoria ímpar, o craque atleticano escorou de primeira, no canto de Raul. Foi a sua redenção, sua vingança contra a torcida do Flamengo que o provocou. Ele, que naquele momento apenas fazia número no ataque atleticano, calou o Maracanã pela segunda vez, gerando um “silêncio ensurdecedor”.

O Flamengo colocou Adílio no lugar de Carpegiani, deixando em campo aquela que seria (mais tarde) a melhor formação de meio campo daquele histórico time.

Reinaldo celebra o segundo gol.
Reinaldo celebra o segundo gol. FOTO: acervo

As intervenções de Aragão

Naquele momento, a atuação de José de Assis Aragão começou a interferir no andamento do jogo. Pra começar, marcou um impedimento absurdo em passe de Reinaldo para Palhinha, que poderia decidir o jogo para os mineiros. Havia um zagueiro rubro-negro dando mais de um metro de condição a Palhinha, que sairia sozinho na cara do gol.

Na sequência, não satisfeito, expulsou o camisa nove atleticano por passar na frente da bola (na verdade, sem o menor motivo), gerando a ira dos mineiros. Cabe lembrar que, no primeiro tempo, ele já havia dado três ou quatro faltas técnicas à favor dos cariocas, sem muita explicação. Algo extremamente desnecessário, que o grande time do Flamengo não precisava e que revolta os atleticanos até os dias de hoje.

Mas a covardia estava feita e o prejuízo já estava posto ao jogo e ao Galo, que teria que suportar aqueles minutos finais com um a menos e com os nervos totalmente aflorados.

A confusão gerada com a invasão de campo por parte dos membros da comissão técnica alvinegra levou a uma longa interrupção do jogo. Uma bagunça comum à época, com direito a entrada da polícia em campo e expulsão da comissão técnica do Atlético. Cabe notar o repórter de campo, Zé Roberto, atribuindo (na transmissão da Band) a culpa da confusão à “catimba do Reinaldo para sair de campo”. Como se nada motivasse aquilo tudo. Caracteriza bem o bairrismo da imprensa esportiva da época.

O fim de jogo e o fim de Silvestre

Na retomada do jogo, o Flamengo se lançou ao ataque com tudo – sempre no toque de bola – conseguiu chegar com algum perigo, como aos 35, em cabeçada de Zico. Enquanto isso, o Galo – que poderia recuar completamente – não abriu mão de sair em contra-ataques, com bolas longas para Éder e Palhinha.

Aos 37, veio a decisão da peleja. Nunes foi lançado na ponta-esquerda e foi pra cima de Silvestre, que ocupava o lugar de Luizinho. O atacante rubro-negro balançou para cima do defensor, conseguiu dar um drible em direção a linha de fundo e tocou por baixo de João Leite, provocando a catarse do Maracanã. Era o começo da festa pelo título que se aproximava.

Nunes foi o heroi do jogo.
Nunes foi o herói do jogo. FOTO: acervo

O lance, embora fosse uma grande falha e de fato evitável, marcaria a carreira do zagueiro Silvestre por muito tempo. A tradicional cultura de apontar um culpado, muito comum no futebol brasileiro. Os atleticanos já não tinham forças para reagir.

Matéria realizada com Silvestre, anos depois daquela decisão.

 

No fim, ainda teve expulsão de Chicão (essa justa) por uma entrada sem bola na lateral de campo. E teve outra de Palhinha, provavelmente por ter dito boas “gentilezas” a Aragão. Mas ali a vaca já tinha ido pro brejo.

E ainda teve a última bola do jogo! Éder driblou Raul, que saiu desembestado do gol, já fora da área, mas foi desarmado pelo zagueiro no momento do chute. Finalmente chegou apito final e o Flamengo pôde comemorar e erguer sua primeira taça de Campeão Brasileiro.

Depois do jogo

Com o apito final houve a esperada e comum invasão do gramado, que foi tomado pelos rubro-negros para saldar os campeões. Os alvinegros, revoltados e desolados, iam para o vestiário para evitar qualquer confusão.

O Flamengo ganhava a taça merecidamente. Conquista emblemática que marcava o começo dessa geração de craques, provavelmente a mais vencedora da história do clube e uma das melhores do futebol brasileiro.

Zico com a taça de campeão.
Zico com a taça de campeão. FOTO: acervo

Para os atleticanos, embora o desenrolar do jogo tenha sido cruel – por toda a interferência decisiva da arbitragem, o azar com as lesões e seus próprios erros bobos -, ficou o gosto amargo do quase. Gosto esse que foi tão frequente na história do clube e impediu que aquele time fosse reconhecido como sendo tão grande quanto era.

Aquele seria um duelo marcante, talvez a maior decisão da história do Campeonato Brasileiro. E foi só o início da intensa rivalidade que se desenvolveu entre os dois clubes, que teria seu ápice meses depois, no desempate da fase de grupos da Libertadores do ano seguinte. Mas essa é outra história.

Ficha Técnica

LOCAL: Maracanã, Rio de Janeiro.
DATA: 01 de junho de 1980.
PÚBLICO: 154.355 presentes.
ÁRBITRO: José de Assis Aragão
GOLS: Nunes (2) e Zico; Reinaldo (2).
CARTÕES AMARELOS: Chicão, Cerezo, Reinaldo, Tita e Júnior.
CARTÕES VERMELHOS: Reinado, Chicão e Palhinha.
FLAMENGO – Raul; Toninho, Manguito, Marinho e Júnior; Andrade, Carpegiani (Adílio) e Zico; Tita, Nunes e Júlio César (Carlos Alberto). Técnico: Cláudio Coutinho.
ATLÉTICO-MG – João Leite; Orlando (Silvestre), Osmar, Luizinho (Geraldo) e Jorge Valença; Chicão, Cerezo e Palhinha; Pedrinho, Reinaldo e Éder. Técnico: Procópio Cardoso

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