SOBRE A GERAÇÃO (OU GERAÇÕES) DA ALEMANHA
A percepção da DFB (Deutsche Fußball-Bund, ou Federação Alemã de Futebol) e de todos os envolvidos no esporte, de que o futebol alemão precisava de uma profunda renovação veio após os fracassos da seleção principal na Euro 2000 e um pouco antes nas copas de 94 e 98, tendo a sua gota d’água na derrota na final de 2002. Sim, havia o alento de pelo menos ter chegado à final e ter perdido para uma seleção que contava com uma linha de frente com gênios como Ronaldo, Ronaldinho e Rivaldo, além de outros grandes como Cafú e Roberto Carlos. Mas ainda assim chegou-se à conclusão de que o futebol apresentado era defasado e não havia condição para que o futebol alemão seguisse como a potência que sempre fora jogando daquela forma. A mudança não era em função da derrota naquela final, mas da falta de renovação da seleção alemã e da perda do destaque internacional do futebol alemão.
Guiado por essa visão, o futebol alemão iniciou um processo visando resultados a longo prazo com planeamento, passando pelas diversas esferas do esporte e começando pelo começo (vejam vocês). Havia o entendimento de que o processo começava pelo futebol de base e os investimentos no início foram nas categorias de base. Foi realizado investimento em estruturas de treinamento e em conhecimento de novas metodologias de treino e preparação. A revolução foi algo feito em conjunto com os clubes, através da Bundesliga, e da federação.
O segundo passo foi mudar a liga nacional concebendo-a como produto e buscando que ela fosse mais atrativa e tivesse, através da renovação, um futebol com mais qualidade. Junto a isso buscou uma regulação dos clubes para que estes e consequentemente a liga crescessem de forma sustentável sem sacrificar suas finanças. Junte-se a isso (é claro) a condição de potência econômica do próprio país. Houve a preocupação de buscar o controle de gastos com salários e de privilegiar a formação de jogadores, em detrimento da prática de desembolsar fortunas em contratações de atletas de fora do país. Leve se em conta também a tradição do futebol já pertencente a cultura alemã, que através de ingressos acessíveis gera estádios sempre cheios e possui com frequência as maiores médias de ocupação dos estádios. Tudo isso se traduz em aumento anual de receitas no futebol alemão na última década.
O mais importante foi seguir o planejamento e incluir nele todos os agentes do esporte. Sem mudar os planos em virtude dos resultados. Nem se o resultado fosse o fracasso em casa na Copa do Mundo 2006, quando caiu nas semifinais e acabou com o quarto lugar. Pelo contrário. Aquela Copa mostrou ao mundo alguns frutos do investimento na base, com destaque para os excepcionais Schweinsteiger, Lahm e Klose, entre outros que deram inicio a base do time campeão do mundo em 2014.
Nos anos seguintes se multiplicaram os jovens de qualidade – sobretudo meio-campistas – que chegaram ao profissional e se tornaram destaques dos times nacionais e também da seleção. Começava também a surgir os jogadores que fariam da Bundesliga a segunda maior liga do mundo, quando consideradas as receitas com bilheteria, TV e patrocínio. Na Copa do mundo de 2010 a Alemanha apresentava ao mundo diversos novos craques, como Neuer, Ozil, Khedira, Toni Kroos, Thomas Muller e Marcus Reus. Todos eles, a época com pouco mais de vinte anos, hoje estão consolidados como grandes estrelas do futebol mundial. Estava formada a base para o 7×1…ops…para o título da Copa do Mundo de 2014.
Os bons jogadores seguiram surgindo até a copa no Brasil. Àquele time, se juntaram ainda Hummels e os talentosos Gotze (autor do gol do título) e Draxler. Ainda ficaram de fora por lesões os excepcionais Reus e Gundoghan (sim, aquele time poderia ser ainda mais forte). O resultado, todos se lembram. Suas maiores conquistas foram a taça e o tapa na cara do futebol brasileiro, mostrando o resultado do planejamento de longo prazo.
O tempo seguiu e tem tratado de mostrar que o desempenho alcançado pelo futebol alemão não é fruto de sorte ou de uma “geração boa” como acreditam muitos em terras tupiniquins. Após a Copa, a Alemanha tem conquistado títulos nas divisões inferiores e segue fabricando jogadores e fomentando o futuro do seu futebol. Se os agora veteranos Podolski, Schweinsteiger, Lahm e Klose, já passaram o bastão, as novas conquistas (e até mesmo as derrotas) proporcionam novos nomes de qualidade.
Nas Olimpíadas do Rio 2016, no meio do time jovem já surgem novos talentos para explodir futuramente. Se destacaram no jovem time, praticamente sem atletas acima dos 23 anos, mais três grandes meio-campistas. Max Meyer, Julian Brandt e Leon Goretzka, além do bom zagueiro Ginter e do ponta Gnabry. Estes jogadores foram responsáveis por conduzir o time ao vice-campeonato olímpico perdendo por pouco para o Brasil nos pênaltis. Os jovens são inexperientes e não podem integrar o time principal. Certo? Não para quem investe na renovação e entende o amadurecimento como parte do processo.
Praticamente esta mesma seleção foi mandada para a Copa das Confederações no lugar da seleção principal. Ao invés de mandar os veteranos para uma competição sem importância, pensando apena em juntar mais uma taça que provavelmente viria, a Alemanha mandou a chamada “seleção B” para ganhar experiência. Acabou sagrando-se campeã sobre o Chile, que tratava a competição como importante, algo para marcar a grande geração que possui. Mesmo se não tivesse sua vida facilitada na final por erros da defesa chilena e tivesse perdido, a final o projeto de criação de craques da Alemanha seguiria o mesmo.
Cabe ainda destacar o título da Euro sub 21 em 2017. Muitos dos jogadores que venceram a Copa das Confederações deveriam estar nessa competição. Ou seja, o time alemão, mesmo desfalcado por ceder atletas para o time de cima, é muito forte. Um time cuja base venceu a Euro sub 19 três anos antes.
Não faltam títulos em todas as categorias, mas os frutos colhidos agora são parte do projeto iniciado muitos anos antes, sem ser mudado ou abandonado ao sabor das derrotas. Com convicção no que se estava fazendo e que, pelo visto, ainda renderá muitos frutos para a seleção, liga alemã e o futebol do país como um todo.
Não há “apagão” ou “gooool da Alemaaanha”, nem mesmo “7×1” que diminua o resultado do planejamento de longo prazo que norteou esta revolução. Não é resultado de sorte ou acaso.
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