O TUMULTUADO GP DO BRASIL DE 2003
Só pela sua longevidade, o GP do Brasil de Fórmula 1 já teria muita história pra contar. Mas, assim como em Spa-Francorchamps, muitas provas realizadas no Brasil passaram para a história pela presença do fator mais desestabilizador de corridas de automobilismo: a chuva. E a história de hoje é mais uma daquelas “corridas malucas” em que ela esteve presente. Relembraremos hoje o GP do Brasil de 2003 que teve de tudo um pouco. Com direito a até vencedor sendo mudado alguns dias depois do seu final.
A chuva caía (e era muito) naquele 6 de abril de 2003. A Zona Sul de São Paulo, exatamente onde fica o Autódromo José Carlos Pace, era a mais afetada, inclusive com alguns pontos de alagamento. Ai já viu: a corrida teve suas primeiras voltas em ritmo muito lento, pois, por segurança, a direção de prova determinou que a largada fosse com safety-car para que o pelotão de carros secasse a pista. Isso é até comum hoje em dia, mas não era em 2003.
São Paulo vocês sabem como é: um dia antes fez muito sol e calor. Melhor para Rubens Barrichello, que anotou sua sétima pole na F1 e deu aos brasileiros a esperança de ver um piloto da casa ganhar o GP do Brasil depois de dez anos.
Mas a largada de Rubindo foi um balde de água tão fria quanto a da chuva. Depois de oito voltas e da saída do safety-car, Barrichello arrumou uma barbeiragem, espalhou na Curva do Café, demorou a acelerar e perdeu a liderança para David Coulthard, da McLaren.
Rubinho estava num dia desastroso. Em três voltas já estava em sexto, sendo ultrapassado ainda por Juan Pablo Montoya (Williams), Mark Webber (Jaguar) e até pelo companheiro de equipe, Michael Schumacher (Ferrari). Já o Couthard ficou apenas duas voltas na ponta, perdendo a liderança para o companheiro Kimi Räikkönen.
“É que a Ferrari do brasileiro havia perdido pressão nos pneus com todas aquelas voltas lentas atrás do safety-car, problema que só foi contornado minutos mais tarde. Aí, Rubens foi lá e deu o troco em Webber e Montoya, brigando também com o compatriota Cristiano da Matta (Toyota)” – trecho retirado do site grandepremio.uol.
O safety-car voltou à pista na volta 20, quando a Jordan de Ralph Firman partiu a suspensão e acertou a traseira da Toyota de Olivier Panis, na reta dos boxes. A prova foi retomada e teve apenas cinco voltas de bandeira verde. Nesse tempo, Coulthard voltou à ponta e Barrichello já era segundo. Mas aí Michael Schumacher passou direto na Curva do Sol e o safety-car voltou pela terceira vez! O alemão quase acertou um trator que estava no local para retirar a Williams de Montoya e a Jaguar de Antonio Pizzonia. O trecho estava impraticável!
Houve a relargada e, quatro voltas depois da relargada, o inglês Jenson Button também rodou e bateu. Acredite: na mesma Curva do Sol! Nas 54 voltas da corrida, sete pilotos bateram no mesmo ponto, o chamado Muro do Berger. O piloto do safety-car, Bernd Mayländer, estava tendo o nome citado quase na mesma proporção que os dos pilotos.
No final da volta 44, Rubinho estava na ponta! Coulthard espalhou e o brasileiro assumiu a liderança no S do Senna. Com o problema de pressão dos pneus resolvido, Barrichello voava na pista molhada e parecia que nada impediria sua vitória. Foram duas voltas de euforia. Até que, três minutos depois, sua Ferrari parava na grama, na subida do Laranjinha, com o tanque vazio. Inacreditável!
“A forte chuva fez a telemetria da Ferrari pifar, e o time estava fazendo as contas todas na cabeça para saber quando que o brasileiro teria de parar para reabastecer. O problema foi agravado por uma falha no sistema de alimentação: o motor bebia mais do que o normal. Pelas contas, havia combustível para mais uma volta” – trecho retirado do site grandepremio.uol.
Posteriormente, em entrevista à revista Época, Rubinho falou sobre a frustração. “Estou desapontado, é claro. Tudo o que posso dizer é que dei o meu máximo, mais uma vez. Tenho certeza que eu poderia ter vencido essa corrida. O ruim é que ano que vem vou chegar aqui e vai ter de novo esta história de tabu, tabu, tabu. Vão falar que tive azar e tudo o que acontece em todas as corridas aqui. Mas foi uma questão puramente técnica, de alimentação de gasolina”, disse o piloto. Particularmente, me lembro até hoje desta corrida. Foi uma frustração absurda ver o Rubinho parar por falta de gasolina na vez em que esteve mais perto de vencer no Brasil. Tanto para quem estava em Interlagos ou assistindo pela TV, o desapontamento foi grande.
A liderança voltou para Räikkönen mas um novo personagem entrou na história. E rápido! Fisichella e a Jordan fizeram uma estratégia ousada e entraram nos boxes uma volta antes da largada ser autorizada. Eles encheram o tanque para permanecer na pista o maior tempo possível. Apostaram numa corrida tumultuada e foram premiados.
Dessa forma, com tanta coisa errada acontecendo com os outros, Fisico chegou ao segundo lugar e, na 54ª rodada, passou Räikkönen quando o finlandês perdeu o controle e quase bateu. Mas a confusão estava longe de acabar.
Instantes depois da ultrapassagem (pouca coisa mesmo!), Webber perdeu o controle da Jaguar e bateu forte na Curva do Café (ela de novo!). Fernando Alonso veio atrás na Renault e acertou a roda que ficou jogada no meio da pista. Que coisa incrível! Não dava mais para manter essa corrida…
A direção de prova deu bandeira vermelha instantes depois de Fisichella abrir a volta 55. Fim de corrida! Mas nada do caos acabar. A Jordan do italiano pegou fogo e a equipe ficou entre comemorar a vitória e apagar as chamas do carro. Insano!
Resolvido o problema, era hora de festejar. Que nada! Veio a notícia de que Fisichella não era o líder na volta anterior à interrupção. Pelo regulamento, em caso de bandeira vermelha, o vencedor seria o líder da última volta antes da bandeirada. Assim sendo, como não havia imagens que comprovassem a ultrapassagem, a vitória foi dada a Räikkönen.
Depois da prova, Fisichella falou sobre a decepção. “Foi um GP louco e muito difícil. Estava chovendo muito, havia rios em vários lugares e eu tomei a decisão correta de colocar muito combustível no pit-stop no começo da corrida. Meu ritmo era bom, eu consegui fazer ultrapassagens e lembro que ultrapassei Kimi Räikkönen na última curva. Na hora em que passei pela linha de chegada, houve um acidente e pararam a corrida. Houve um grande erro dos comissários”, disse ainda decepcionado por não subir ao lugar mais alto do pódio.
Foi um dos pódios mais bizarros da história. Räikkönen, Fisichella e um lugar vazio. Alonso estava em terceiro antes do acidente que encerrou a prova, mas como ele era um dos envolvidos, estava sendo atendido pelos médicos e não pode comparecer a cerimônia. Que roteiro!
A corrida ainda rendeu. Alguns dias mais tarde, a imagem que provava que Fisicehella já era líder apareceu e ele foi considerado vencedor. O troféu de vencedor só lhe foi entregue duas semanas mais tarde, em Ímola, no GP de San Marino.
Fisichella só venceu de novo no GP da Austrália de 2005, com a Renault. Dessa vez com direito a comemorar no alto do pódio. Até hoje ele compara as duas provas com saudosismo. “Foi fantástico celebrar a vitória no degrau número 1, mas, é claro, foi diferente de quando ganhei a corrida aqui”, compara. “Foi fantástico! Uma corrida fantástica. Não esperávamos ganhar uma corrida no início da temporada, pois o carro não era rápido o bastante. Pilotei muito bem, dei o meu melhor e não cometi nenhum erro. Um grande dia!”
Foi a última vez que o GP do Brasil foi disputado no início da temporada. A ideia era evitar as chuvas, por isso ela passou para outubro ou novembro. Mas é claro, quem conhece Sampa sabe bem que isso não resolve muita coisa. As temporadas de 2008 e 2012 que o digam.
O vídeo a seguir mostra um resumo desta histórica corrida.
Para conhecer um pouco mais sobre a história do GP da Brasil, clique aqui. Veja também as equipes e os pilotos da temporada 2017.
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