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O REVOLUCIONÁRIO HOLANDA X URUGUAI DE 74

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Quando assistimos a um jogo de 1974 em pleno 2016, com certeza vamos achar o que vemos ultrapassado. Entretanto não foi a impressão que tivemos ao ver o lendário Holanda 2×0 Uruguai na Copa de 74. As impressões que deixamos aqui, além de minhas, são dos companheiros de blog Marcelo Marques e Glauber Fernando e tentamos não nos ater apenas a idolatria daquele time holandês. Mas foi difícil.

Tirando a péssima qualidade de imagem – para quem está acostumado com tempos de HD – o que mais chamou atenção no começo do jogo foi o banco holandês. Em contraste com a sobriedade dos uruguaios, os reservas de laranja estavam relaxados e de óculos escuros (sério) no banco. Em campo uma multidão de gente, bem ao estilo latino. Em época onde não havia padrão FIFA, nem placas de patrocinadores se via no Niedersachsenstadion, em Hannover.

O visual rockstar do banco de reservas holandês.
O visual rockstar do banco de reservas holandês.

O primeiro toque na bola foi de Cruyff para Van Hanegen. Era o início de uma campanha histórica. Com 40 segundos de jogo veio a única boa jogada Uruguaia no primeiro tempo: uma caneta de Espárrago em Jansen. Quase nada para um time que tinha Forlán, Pavoni, Pedro Rocha, Cubilla e Morena. Para fazer justiça aos fatos, nos dez primeiros minutos eles sequer passaram do meio de campo.

O que a Holanda fez naqueles dez minutos não soa estranho para os dias de hoje, mas para a época era impressionante. A marcação obsessiva no campo do adversário, as constantes inversões de jogo e a troca de passes sem guardar posição são coisa corriqueira atualmente, mas na época chegou a ser bizarro. A pressão, além de faltas duras (de praxe do futebol uruguaio) rendia falhas de marcação. O gol não demorou.

Aos seis minutos, numa troca de bola que veio da defesa, o lateral Suurbier abriu o jogo pela direita com Cruyff que passou por dois uruguaios e devolveu ao lateral, que como um ponta, cruzou para Rep (esse sim ponta) subir de cabeça e abrir o placar. Havia quatro holandeses na área.

Rep e Cruyff comemoram o gol.
Rep e Cruyff comemoram o gol.

Esse era outro ponto que assustava. Sempre haviam pelo menos cinco holandeses atacando, sem posição fixa, mas com funções bem cumpridas. O primeiro tempo deixou mostrou que os uruguaios ficaram desorientados com aquela situação. Acostumados a marcar homem a homem, se viam diante de uma correria insana e ultrapassagens constantes. Em alguns momentos apenas o zagueiro Rijsbergen ficava recuado. Na meia lua do campo de ataque! Talvez por isso entre os celestes cometeram pelo menos cinco faltas violentas no primeiro tempo.

O goleiro holandês tocou na bola pela primeira vez aos 22 minutos, numa bola em que nem precisava sair. Jongbloed, de 34 anos, jogava no time principal pela primeira vez. Era a terceira opção e só jogou porque os dois outros se machucaram. Usava lentes de contato e a camisa 8. Por várias vezes no jogo aparecia adiantado e atuava até de líbero (chupa Neuer!). No fim do jogo, num lance bucólico, ele saiu do gol e o zagueiro bateu o tiro de meta para ele, quase na lateral de sua área, sair jogando. Parecia uma típica pelada.

Talvez o que mais assustava naquele time holandês fosse sua blitz. Sim por vezes, os holandeses avançavam em bloco, para dar um bote e pegar ou bola, ou deixar algum atacante adversário impedido. Aos 23 minutos, fizeram isso pela primeira vez, colocando todos os 10 jogadores de linha num espaço de 15 metros. Um verdadeiro arrastão.

A primeira aparição do pressing holandês.
A primeira aparição do pressing holandês.

A Holanda perdeu mais dois gols no primeiro tempo. Mas não perdeu a mobilidade. O que mais se viu foi volante cruzando como ponta, ponta armando, e lateral-direito de centroavante. Ou vice-versa… Enfim.

Milagrosamente o Uruguai terminou o primeiro tempo com um amarelo apenas. Aliás, se não fosse o árbitro húngaro Karoly Palotai, que deixou os celestes espancarem os holandeses, pelos menos umas cinco expulsões teriam acontecido ao fim do jogo.

Deu pra notar a diferença dos times na hora de voltar a campo para a segunda etapa. Os jogadores holandeses permaneciam espalhados em campo, como rodinhas de bate papo, enquanto os uruguaios estavam de braços cruzado, completamente perdidos. Faça-se justiça, eles até adiantaram o time e finalizaram pela primeira vez no jogo logo com 1 minuto, num chute errado de Pedro Rocha.

Em apenas seis minutos de jogo na segunda etapa, a Holanda mostrou seu repertório. Deixou seis uruguaios impedidos com sua linha de impedimento, fez uma bela jogada ensaiada na cobrança de falta e marcou com sete jogadores nos arredores da área uruguaia. E claro levou safarrada até falar chega. Principalmente de Forlán e Mantegazza.

Enquanto os sul-americanos recuperavam a bola na porrada, os holandeses sempre dispunham de três para marcar cada uruguaio e invariavelmente ficavam com a bola. Aos 15 minutos eles exageram de novo: na meia lua de defesa uruguaia Pedro Rocha foi acossado por cinco holandeses. Uma cena impressionante (para o craque são-paulino, assustadora). Aliás todos, menos o goleiro, estavam numa faixa de 20 metros de campo.

Pedro Rocha foge de cinco holandeses.
Pedro Rocha foge de cinco holandeses.

O Uruguai estava vendido. Exceto por Mazurkiewicz, que fechou o gol. O então goleiro do Galo fez pelo menos quatro defesas cinematográficas. Uma delas depois de uma bola na trave que só pode ser classificada como milagre. E o arqueiro só não levou um caminhão de gols porque o time da Holanda finalizava mal demais. Foram cinco gols claros desperdiçados. Alguns cara a cara. Suurbier ia à linha de fundo como se fosse à cozinha de sua casa. Mas suas jogadas eram desperdiçadas uma a uma. Até Cruyff perdeu miseravelmente alguns gols.

Cruyff se desvencilhando da marcação com sua elegância.
Cruyff se desvencilhando da marcação com sua elegância.

O juiz húngaro acabou de enterrar sua atuação. Ele até expulsou Montero Castillo depois de uma séria de golpes digna de luta livre, mas anulou um golaço holandês, numa bela jogada entre Van Hanegen e Cruyff.

Jansen sendo vítima de uma das inúmeras pancadas uruguaias.
Jansen sendo vítima de uma das inúmeras pancadas uruguaias.

Aos 42, como numa linha de passe do Barcelona (desculpe pelo trocadilho de futebol moderno), depois de quatro holandeses agirem no lance, Rep marcou seu segundo gol. Aliás, para o recomeço do jogo todos os jogadores de linha holandeses tiveram que voltar. Estavam todos atacando. Depois disso, Neeskens e Cruyff perdem mais dois gols claros. Algo absurdo para jogadores de sua estirpe. Para piorar, um pênalti escandaloso em Rep é ignorado pelo húngaro que parecia estar em campo para impedir que os uruguaios fossem goleados.

O jogo chegou ao fim e a história começou a ser escrita. Apesar do passeio, o 2×0 saiu barato para o Uruguai. Tão perplexos quanto os latino-americanos estavam os jornalistas, que provavelmente nunca tinham visto um jogo daqueles (acostumados que estavam com o ritmo lento do futebol da época) e não conseguiam esconder o espanto. Já a Holanda deixou claro que se apresentava com uma proposta diferente. Tão diferente que começou naquele dia uma revolução no futebol, como poucas vezes se veria depois.

Os jogadores laranjas agradecem sua torcida após a vitória.
Os jogadores laranjas agradecem sua torcida após a vitória.

Ficha Técnica

LOCAL: Niedersachsenstadion, em Hannover, Alemanha.
DATA: 15 de junho de 1974.
PÚBLICO: 53.700 pagantes
ÁRBITRO: Karoly Palotai (Hungria)
CARTÕES AMARELOS: Masnik, Mantegazza e Forlan
CARTÃO VERMELHO: Montero Castillo
HOLANDA – Jongbloed; Suurbier, Haan, Rijsbergen e Krol; Jansen, Neeskens e Van Hanegen; Rep, Cruyff e Rensenbrink. Técnico: Rinus Michels.
URUGUAI – Mazurkiewicz; Forlán, Jáuregui, Masnik, Pavoni; Montero Castillo, Mantegazza e Espárrago; Pedro Rocha; Cubilla e Morena. Técnico: Roberto Porta.

Ficou curioso? Quer checar se falamos bobagem? Confira aqui o jogo:

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