BRASIL X INGLATERRA: UMA DECISÃO NA FASE DE GRUPOS
Não tem uma definição melhor para o confronto entre brasileiros e ingleses na Copa de 70. Era uma legítima decisão, porém, numa fase de grupos. Duas das seleções favoritas ao título, dois dos elencos mais alardeados antes da competição e, não se pode deixar de lembrar, os dois últimos campeões do mundo.
Décadas depois, muito do que se lembra do jogo ficou restrito a um determinado lance, ou melhor, dois, dos quais falaremos mais adiante. Ao rever a partida tive a certeza de que esse é um dos maiores jogos da seleção brasileira em Copas do Mundo e, sem dúvida, o mais difícil da campanha do Tri. A Inglaterra foi uma rival à altura (como poucas vezes foi) e por isso, essa partida merece ser revista.
Por que diabos dois campeões num grupo?
Isso ia acontecer de qualquer jeito, pois todos os cinco campeões mundiais da época estavam na competição – Brasil, Inglaterra, Itália, Alemanha Ocidental e Uruguai – e haviam apenas quatro grupos de quatro. O problema foram os critérios.
Foi o primeiro sorteio com cerimônia ensaiada pela FIFA, realizado no Maria Isabel Sheraton Hotel, na Cidade do México. Optou-se por decretar apenas que o México, país-sede, como cabeça de chave do Grupo A. Assim, o sorteio seguiu de forma aleatória, exceto pela presença de Israel e Marrocos. Israel se classificou para Copa disputando a vaga pela Ásia/Oceania. Os países muçulmanos tinham sérios atritos diplomáticos com a nova nação, por causa da Palestina. Um deles era o Marrocos, também estreante na Copa. Para evitar um jogo entre os dois, o sorteio jogou Inglaterra, Brasil e Tchecoslováquia no mesmo grupo. Israel caiu num grupo com Itália e Uruguai e a Alemanha ficou no grupo D, onde também estava o Marrocos. Por fim, o México ficou sem nenhum campeão mundial no seu grupo. Curioso, né?
Mexicanos “brasileiros”
A torcida do México estava com o Brasil, em parte pelo show da primeira rodada, em parte pela falta de carisma dos ingleses. Aliás, os atuais campeões chegaram no México em meio às polêmicas.
Primeiro, na preparação para a Copa na Colômbia, o zagueiro Bob Moore – um dos astros do time – foi preso. Ele foi acusado de roubar um bracelete no valor de U$ 1330,00 e ficou em prisão domiciliar na casa de um dirigente, em Bogotá. Ele foi liberado – após intervenção do primeiro ministro britânico – e a queixa foi retirada ainda em tempo de sua viagem para o México. Mas a história ficou muito mau explicada, tanto que ainda há quem diga que ele teria assumido a culpa para livrar outro companheiro.
Não bastasse o caso de polícia, ainda espalhou-se uma séria de declarações da delegação inglesa que criticavam a organização mexicana, indo desde a altitude ao absurdo de falar em levar água da Inglaterra para consumo, como medida para evitar uma possível contaminação ao beber a água mexicana. Entre verdades, mentirar e exageros, a Inglaterra conquistou a antipatia da torcida azteca.
O grande jogo da primeira fase
Brasileiros e ingleses em campo no Jalisco, em Guadalajara. Pois razões óbvias, era o que mais chamava atenção naquela primeira fase de Copa. O Brasil teve um desfalque de última hora – na verdade, de três horas antes da partida. Gerson, que saiu de campo contra a Tchecoslováquia, não reuniu condições de jogo e deu lugar a Paulo Cézar Caju. Ele entrou em campo com o restante dos onze jogadores que atuou na estreia. Todos com meião cinza para evitar a confusão com os ingleses, que estavam todos de branco.
A Inglaterra começou pressionando o Brasil. Sua marcação era muito forte, inclusive no campo de ataque. Entretanto, com técnica. Vale ressaltar que as duas seleções trocavam passes de maneira excelente – inclusive pra sair jogando. Nada de chutão.
Os ingleses invadiam a área brasileira várias vezes, mas não conseguiam finalizar. Exceto aos 5 minutos, quase sem querer. Num cruzamento fechado da direita, Félix mal posicionado quase tomou o gol. Eram um jogo muito estudado, mas o que viria aos 9 minutos sim, seria alvo de estudo por décadas.
Banks parou Pelé
Jairzinho foi ao fundo e cruzou de forma primorosa para Pelé, que parou no ar (como Dadá, que via do banco) e cabeceou para o chão. Uma jogada precisa. Um gol de cabeça de almanaque, não fosse por Gordon Banks. Para muitos o maior goleiro da época, ele era o único capaz de uma imoralidade como aquela defesa. Aquilo estava errado, era pra ser gol… Ou não, estava muito certo. Era pra ser a defesa do século!
O lance deixou todo o estádio boquiaberto. O goleiro, ídolo do Leicester e do Stoke City, consagrou-se como o autor de uma defesa impossível, de uma plasticidade digna de cinema. E olha que para Banks essa não foi sua maior defesa! Ele diz que foi um pênalti de Geoff Hurst (atacante daquela seleção), que jogava no West Ham, contra seu clube, o Stoke City, em uma semifinal de Copa da Inglaterra de 1972. Ele defendeu, deve ter sido bonito, mas eu duvido que foi mais bonito do que essa defesa no Jalisco.
Primeiro tempo tenso
O ritmo no jogo era lento. Mas não era qualquer lento. Era um lento de times que estavam tramando muito cada jogada, pois sabiam que o adversário, quando com a bola, traria perigo.
Pelé andava em campo, mas fazia a bola correr. E como! Até marcar ele estava marcado. Mas era muito mais marcado. E pelo genial Bob Moore. Aliás, ali estavam os dois maiores salários do futebol mundial na época. Segundo o Jornal O Globo, o camisa 10 brasileiro, com seus 600 mil cruzados novos e zagueiro inglês, que recebia o equivalente a 250 mil.
Paulo Cézar Caju se destacava muito, vindo de trás com a bola e tabelando com Tostão. Numa dessas, aos 13, chutou forte uma bola que cruzou a área e foi para fora. Ele era um dos que jogava fora de posição para ajudar a equipe. O outro era Rivellino, que recuou como um volante, substituindo a Gerson. E jogou o jogo todo à base de muito esparadrapo no pé, após se machucar aos 19 do primeiro tempo. Sair seria comprometer muito o time num jogo daquele tamanho.
Félix decisivo
O resto do primeiro tempo foi dos ingleses. Aos 21, a bola pipocou na área e Lee chutou para defesa de Félix. Um minuto depois, ele mesmo dividiu uma bola cruzada por Wright, que sobrou para Peters cabecear para fora – totalmente livre.
A Inglaterra expôs as várias falhas defensivas do Brasil. Numa delas, aos 32, Lee estava completamente livre na pequena área quando mergulhou para finalizar. Félix defendeu a queima-roupa e ainda pegou o rebote no pé do atacante. A imprensa adorava criticar Félix e, convenhamos, nem a comissão técnica tinha tanta convicção de que ele era o melhor na posição. Mas foi seguro e ousado quando precisou.
A defesa de Félix ainda rendeu mais coisa. Quando saiu nos pés de Lee, o goleiro brasileiro foi acertado pelo inglês e se machucou. Isso indignou ou brasileiros e, principalmente o capitão Carlos Alberto Torres. Um minuto depois, quando viu Lee passando em sua direção, o Capita deu-lhe uma senhora cacetada. Expulsão certa! Mas o juiz deixou o brasileiro seguir no jogo, para indignação total dos ingleses. Instantes depois, Ball desceu o sarrafo em Rivellino e o jogo poderia ter descambado para a violência. Sorte não ter ocorrido.
Achando que a arbitragem estaria para o Brasil (talvez, né?), Pelé cavou um pênalti descarado. Não deu certo. O jogo acabou truncado e as equipes foram para o intervalo se recompor do calor absurdo.
Muito calor e muita intensidade
Não adiantou muito. Na volta, continuava tendo um sol para cada um. Os ingleses ficaram sentados no meio do campo, por causa do calor. Tava tão quente que eles até aceitariam beber a água mexicana (rsrs, foi mal pela alfinetada)… O Brasil demorou a voltar, quem sabe torcendo para alguém fechar a cobertura do estádio (ops, não tinha isso na época)…
Logo aos três minutos, Bob Charlton (lenda!) deu a bola para Lee que finalizou firme para outra defesa de Félix. Um dos grande em campo, assim como Caju. Aos cinco, ele limpou a marcação e mandou uma bomba que parou nas mãos de Banks. Um minuto depois, um chute cruzado do ataque inglês quase vai ao gol. Na volta, aos 9, Tostão gira sobre a marcação e chuta da meia-lua, passando ao lado do goleiro do Stoke City. Mais dois minutos, e Charlton pegou um rebote com muito perigo. Dez minutos muito intensos. Eram muitos craques em campo!
Mas é importante dizer que Bob Moore foi gigante. Parou Pelé em vários lances. Cobriu a marcação pelo de Tostão e de Jair, e foi um leão na defesa inglesa. O jogo era muito tenso. Qualquer um poderia vencer. Bastava alguém desequilibrar. E ai apareceu Tostão.
A mágica de Tostão
O atacante do Cruzeiro ia ser substituído por Roberto, assim que a bola saísse. Foi então que, aos 14 minutos, ele fez sua maior jogada em Copas. Com a bola em seu domínio (não teve cotovelada no início da jogada, não insistam!) canetou Moore (pasmem!), escapou de um carrinho de Mullery e caiu para a esquerda da área. Quando toda a defesa se moveu para esse canto do campo, o genial atacante celeste girou o corpo para o lado aposto, alçando a bola para o meio da área. Pelé dominou a bola de forma suave e a rolou para Jairzinho, que sem suavidade alguma, desferiu um tiro indefensável até para Banks. Festa verde e amarela no Jalisco.
O lance espantou a todos. A Folha de São Paulo do dia seguinte ressaltou que “o pé que chutou a bola para o arco de Banks foi Jairzinho. Mas a genialidade foi primeiro de Tostão, que ‘escondeu’ a bola de dois adversários no lado esquerdo da área e lançou, com precisou, para Pelé na altura da marca penal. O ‘Rei’, também genialmente, ameaçou chutar, não chutou, estendeu na direita para Jairzinho. Era a vitória do Brasil por 1 a 0”. Mas durante o jogo, ainda após o gol, não dava para cravar a vitória.
Inglaterra desperdiça chances
A necessidade fez com que os atuais campeões mundiais se lançassem ao ataque. A pressão começou a ter cara de desespero. Foram incontáveis cruzamentos na área. Inclusive da intermediária. O time inglês apostava nas chances de seus dois atacantes no jogo aéreo, mas praticamente todas as bolas alçadas deram em nada. Praticamente, pois uma quase virou gol. Brito errou bizarramente ao tentar corta e espirrou a bola para a marca do pênalti onde Astle estava completamente livre. Ele fuzilou rasteiro, sem chances para Félix. Mas a bola passou à esquerda do gol brasileiro.
Os ingleses subiram ainda mais ao ataque. Moore, ajudando na frente, escapou de Caju e cruzou para a área (surpreendente!). A bola escorada por Astle se ofereceu a Ball, completamente livre. Ele desferiu um chute preciso, forte e indefensável para Félix. Mas parou no travessão. Azar dos ingleses, de novo!
O jogo seguiu tenso, mas o que o Brasil se arriscou a mais no ataque, fez a diferença. Defensivamente, a Inglaterra era bem melhor que o time de Zagallo, o que serviu de alerta. O Brasil ainda chegou ao ataque com Rivellino e Roberto (que substituiu Tostão), mas sem ser muito agudo.
No fim, mais uma chance do Brasil lembrar os ingleses do seu poderio ofensivo. Pelé recebeu após arrancada de Jair. Não conseguiu vencer Moore e, de fora da área, tocou por cima do adiantado Banks. A bola saiu. Mas não fazia diferença. O jogo chegou ao fim e ganhou seu lugar na história.
Para os ingleses, aquela foi a final antecipada da Copa. Meio presunçoso, verdade, mas nada tão exagerado. Para os técnicos, o equilíbrio foi evidente. “Até o último segundo, podia acontecer qualquer coisa”, disse Zagallo. Para Alf Ramsey, “eles (os brasileiros) correram um risco que não corremos (os ingleses), e isso lhes deu o gol”. A verdade é que até hoje eles reclamam do juiz e, principalmente, do Félix (que deve ter uma fama melhor lá do que aqui).
Do jogo ficaram várias lembranças. Para mim, ainda é mais forte a de Tostão. O mesmo que já fez até gol deitado contra os ingleses, lançou mão de segundos de sua genialidade para desequilibrar o duelo mais equilibrado daquela Copa. Que bom que o cruzeirense se dava bem contra o English Team.
Ficha Técnica
LOCAL: Jalisco, Guadalajara.
DATA: 07 de junho de 1970.
PÚBLICO: 66.843 presentes.
ÁRBITRO: Abraham Klein (Israel)
GOL: Jairzinho
CARTÕES AMARELOS: Lee.
BRASIL – Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza (Fontana) e Everaldo; Clodoaldo, Rivellino e Paulo Cézar Caju; Pelé, Tostão (Roberto) e Jairzinho . Técnico: Zagallo.
INGLATERRA – Banks; Wright, Labone, Bob Moore e Cooper; Mullery, Bob Charlton (Bell) e Alan Ball; Hurst, Lee (Astle) e Peters. Técnico: Alf Ramsey.
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