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O VERÃO DE 2000 E O MUNDIAL DE CLUBES DA FIFA

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“Bug do Milênio” não aconteceu e o novo milênio começou com tudo. Logo de cara, em janeiro de 2000, um Mundial de Clubes organizado pela FIFA, com jogos no Morumbi e no Maracanã e muitas camisas pesadas em campo. Mas como foi essa curiosa competição? É oficial ou não é? Foi isso tudo mesmo? Pois vamos falar sobre esse confuso evento, que até hoje rende polêmicas e discussões.

A ideia

Nos anos 90, a FIFA queria montar um torneio mundial de clubes, numa época em que ela começava a realizar seus eventos em lugares pouco tradicionais no futebol. A ideia era que, com times de todos os continentes, a atração fosse interessante para todo mundo. Assim como já havia feito em torneios de base, considerou até a possibilidade de levar esse Mundial de Clubes para Taiti e China, mas, no fim, apenas México, Arábia Saudita, Uruguai e Brasil oficializaram a proposta. A FIFA escolheu o Brasil em 1997.

O Mundial aconteceria em 99, mas acabou ficando para 2000. Bom, a organização foi um caso à parte.

A organização

Faltou critério. Na verdade, sobraram critérios… Na prática, cada confederação escolheu o seu. Em teoria, a competição deveria reunir os atuais campeões continentais, o atual campeão nacional do país sede e o o atual campeão mundial. Se o Mundial seria em 2000, esses campeões deveriam ser os de 1999, mas a CBF viu riscos nisso.

Como as sedes seriam o Morumbi e o Maracanã, seria interessante garantir representantes das duas cidades para que o público comparecesse aos jogos. Entretanto, a final da Libertadores seria entre Palmeiras e Deportivo Cali, o que poderia colocar uma equipe colombiana na competição. Já o Brasileirão poderia ser vencido por um time de fora do eixo Rio-São Paulo, como quase aconteceu com Galo. Assim, por garantia, a CBF interviu junto à Conmebol para que o Vasco fosse indicado, como campeão da Libertadores de 98. Da mesma forma, indicou o Corinthians, campeão do Brasileirão de 98 (que acabaria sendo também em 99). As indicações foram feitas ainda antes do final da Libertadores de 1999.

O mesmo valeu para os demais? Claro que não. O atual campeão Mundial era Manchester United, que também era o atual campeão da Champions League (depois da virada histórica contra o Bayern de Munique). Assim, para resolver a questão, o Real Madrid foi indicado como campeão mundial de 98.

O campeão da Oceania era o South Melbourne, da Austrália. Vale ressaltar que nunca havia sido realizado um campeonato continental da Oceania até então. A competição foi criada justamente para escolher o participante daquele Mundial. Os australianos superaram Malaita Eagles (Ilhas Salomão), Konica Machine (Samoa Americana), Venus (Taiti) e Nadi (Fiji), num torneio disputado nas Ilhas Fiji, em setembro de 99.

O representante asiático, o Al Nassr, não era o campeão da Champions Asiática. Isso mesmo! Ele era o campeão da Supercopa Asiática de 98 (esse mundial devia ter acontecido mesmo em 99), uma competição, disputada entre os vencedores do Campeonato Asiático de Clubes e da Recopa Asiática. Ela deixou de ser disputada em 2003, quando o Campeonato e a Recopa se fundiram para criar a Champions League Asiática. O Al Nassr venceu a Recopa superando Al-Shabab (Kuwait), Al-Ittihad (catar) Köpetdag Ashgabat (Turcomenistão) e Samsung Bluewings (Coreia do Sul). O título da Supercopa veio sobre o Pohang Steelers, também da Coreia do Sul.

O representante da Concacaf era o Necaxa do México. O time conquistou o título da Concachampions (aqui sim, de 99), superando Los Angeles Galaxy (EUA), Deportivo Saprissa (Costa Rica), DC United (EUA) e Alajuelense (Costa Rica)

O último dos classificados foi o vencedor da Liga dos Campeões da Africa, o Raja Casablanca, do Marrocos. A equipe superou Ndiambour (Senegal), Djoliba (Mali), Al Ahly (Egito), Hearts of Oak (Gana), Shooting Stars (Nigéria) e Espérance (Tunísia) e ficou com o título africano em dezembro de 99.

A FIFA definiu que não aceitaria jogadores com contratos assinados depois de 15 de novembro. A medida era para evitar clubes de aluguel, como se especulava, por exemplo, no Al Nassr. Depois permitiu umas semanas a mais.

Como deu pra notar, tinha campeão de 98 em algumas confederações e de 99 em outras. Mais do que critérios técnicos, tinha o lado político, sobre o qual é importante falar.

As questões políticas

Nada no futebol dos anos 90 escapava das tretas de bastidores. Para Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, o sucesso do Mundial de Clubes era importante para melhorar as chances do Brasil de sediar a Copa do Mundo de 2006, seu grande objetivo naquele momento. Por isso queria estádios cheios e fez com que Vasco e Corinthians fossem confirmados na competição.

Além disso, Eurico Miranda era o braço direito da CBF na Câmara Federal, e a Traffic, à época parceira do Corinthians, também fazia negócios com a entidade e trabalhou o marketing do Mundial de Clubes. A participação de Vasco e Corinthians agradava a quase todo mundo. Mas e o Palmeiras? O campeão da Libertadores de 99 não fez nada para fazer valer seu direito de disputa do Mundial?

O chapéu no Palmeiras

O Palmeiras venceu a Libertadores em 16 de junho e, oito dias depois, a Conmebol confirmou o Vasco no Mundial, sem possibilidade de mudança. O time paulista não se mexeu pois receberam a promessa de disputar a edição de 2001, que seria disputada na Espanha. De fato, a FIFA chegou a iniciar a organização do torneio, que chegou a ter sedes e 12 times confirmados. Até os grupos foram até sorteados, sendo que o Palmeiras enfrentaria o Galatasaray (campeão da Copa do UEFA), o Al Hilal (Arábia Saudita) e Olimpia (Honduras) na primeira fase.

Com tantas evidências de que teria um mundial para jogar, o Palmeiras não se preocupou com o Mundial de Clubes de 2000 e focou na Copa Intercontinental que jogaria no Japão, contra o Manchester. O problema é que uma das organizadoras do evento, a ISL, hoje famosa pelo envolvimento em escândalos de corrupção com Havelange e Teixeira, faliu e deixou a FIFA numa saia justa. Sem patrocinadores – que preferiram investir na Copa das Confederações de 2001, que aconteceria na mesma época – o torneio foi cancelado.

O Palmeiras, que chegou a produzir material de comunicação para orientar sua torcida na Espanha e outras ações de promoção da marca, ficou no prejuízo. Depois de ameaçar entrar na Justiça contra a FIFA, o Verdão se contentou com uma indenização de U$ 750 mil, que gerou boatos de que havia vendido a participação na edição de 2000. Vale ressaltar que, de acordo com o Estado de S. Paulo, o prejuízo do clube alviverde foi de R$ 10 milhões. E de quebra, no Japão, perdeu para o Manchester.

Material promocional do Palmeiras para o Mundial de 2001
Material promocional do Palmeiras para o Mundial de 2001.

O desinteresse europeu

Sempre se discute o interesse dos clubes europeus no Mundial de Clubes. Neste caso foi mais grave.

O Manchester United só veio ao Mundial de 2000 por pressão da federação inglesa, que também tinha interesse em realizar a Copa do Mundo de 2006. Os Red Devils já haviam viajado para o Japão para disputar o Interclubes com o Palmeiras e tinham um calendário apertado, com jogos pela Premier League e as Copas nacionais. O clube não incentivou seus torcedores a vir ao Brasil e Alex Ferguson estava desanimado em realizar quatro jogos no verão brasileiro.

Beckham, do Manchester United, entra em campo contra o Necaxa, no Mundial de 2000
Beckham, do Manchester United, entra em campo contra o Necaxa, no Mundial de 2000. FOTO: Getty Images

A imprensa espanhola também não deu moral ao torneio. O lateral do Real Madrid, Roberto Carlos, falou à ESPN Brasil que muitos jogadores do Real passavam a noite acordados e encararam a vinda ao Brasil como passeio. Curiosamente, o que causou polêmica foi sua entrevista de tempos depois, na qual se referiu ao torneio como sendo um “Mundialito”. A imprensa espanhola sempre usou essa palavra para se referir ao Mundial, desde os encontros da década de 1960. No Brasil, foi interpretado como um termo pejorativo.

Além disso, o calor era enorme para os europeus. Foi piscina o dia todo, durante todos os dias.

O campeonato

A disputa se dividiu em duas chaves de quatro equipes: um grupo sediado em São Paulo e outro no Rio de Janeiro. O vencedor de cada grupo faria a final, e os segundos colocados disputariam o 3º lugar. No grupo A, reunia Corinthians, Al Nassr, Raja Casablanca e Real Madrid. No grupo B, estavam Vasco, Manchester United, o Necaxa, e South Melbourne. O sorteio foi feito antes mesmo do campeão africano ser definido. O Manchester nem mandou representante. Aliás, foi transmitido ao vivo pela Band, como dá pra ver no vídeo abaixo.

E no dia 5 de janeiro a bola rolou no Morumbi para uma rodada dupla: o Real Madrid venceu por 3×1 o Al Nassr e no jogo de fundo, o Corinthians venceu o Raja Casablanca por 2×0. Ai veio a segunda rodada e o grande duelo do grupo: Timão x Real.

Curiosamente, a partida não era o jogo de fundo daquela sexta, dia 7 de janeiro. Pouco depois das seis horas, os dois favoritos do grupo empataram em 2×2, num jogaço – como você pode ver abaixo. No segundo jogo, talvez na empolgação da primeira partida, o AL Nassr venceu o Raja por 4×3.

Esse jogo ficou para história, também, por causa dos bastidores. Naquelas histórias que boleiro conta, Edílson relatou um encontro no elevador do hotel com os jogadores do Real Madrid, entre eles Roberto Carlos, com quem teria tirado onda sobre o desempenho no jogo que viria. Posteriormente, saiu o assunto de que os atletas do clube espanhol e seu presidente teriam dito que não conheciam o jogador brasileiro e que ele não teria relevância internacional. Se é verdade ou não, difícil comprovar.

Na última rodada, os jogos não foram realizados ao mesmo tempo, o que enfureceu a diretoria do Real, que já vinha reclamando da estrutura de treinos no Pacaembu e mais um monte de coisas, entre elas a arbitragem. O time merengue teve muito trabalho com o Raja, mas venceu por 3×2, obrigando o Corinthians a vencer o Al Nassr por dois gols de diferença. O alvinegro conseguiu, justamente com um 2×0 no fim, com um gol salvador de Rincón. o Timão estava na decisão.

No grupo B, o primeiro jogo foi um surpreendente empate em 1×1 entre Manchester United e Necaxa, com direito a expulsão do craque David Backham. Grande resultado dos mexicanos e um atestado da má vontade dos Red Devils. No jogo de fundo, o Vasco – que vinha com dúvidas sobre as condições físicas do Animal e sobre a presença dos ex-jogadores do Flamengo, Júnior Baiano e Romário, no elenco – não deu chances ao South Melbourne, mas também não deu espetáculo: venceu por 2×0.

O espetáculo ficou para o sábado, dia 8 de janeiro. Uma tarde quente no Maraca com mais de 70 mil pessoas para ver Edmundo e Romário endemoniados. Um 3×1 histórico. Em 45 minutos, o Vasco amassou os Diabos Vermelhos, sem dó nem piedade.


No jogo de fundo, o Necaxa de Aguinaga venceu por 3×1 o South Melbourne e entrou na briga pela final. Como na última rodada o Manchester venceu o South Melbourne por 2×0, o jogo entre Vasco e Necaxa virou a decisão do grupo. O Vasco venceu por 2×1 e garantiu a vaga na final. No saldo, o Necaxa ficou à frente dos ingleses (que cá pra nós devem ter adorado a deixa para ir embora).

Necaxa com as medalhas do Mundial
Comandado por Aguinaga, o Necaxa terminou em terceiro. FOTO: Getty Images

Na disputa de terceiro lugar, o Necaxa mais uma vez fez um jogo digníssimo, empatando em 1×1 com Real Madrid. Nos pênaltis, superou os espanhois, garantindo seu posto no pódio.

A decisão brasileira entre Corinthians e Vasco ficou para a história, mas não foi lá um jogo de grande nível técnico. Vamos lembrar sempre do pênalti perdido por Edmundo.

O saldo do torneio

A competição sempre foi oficial e sempre foi reconhecida pela FIFA como seu primeiro Mundial, apesar do que se fala no Brasil. A demora em realizar o segundo – que só veio em 2005 – tem a ver com patrocínio, casos de corrupção e claro, revisão do formato. Um dos principais problemas apontados pelo presidente da FIFA foi a final ter sido entre clubes de um mesmo país. Não é a toa que, depois disso, os países sede passaram a ser nações de menor tradição no futebol. Não foi planejado, mas o Brasil foi um tipo de balão de ensaio. Os erros grosseiros de organização – que incluíram até uma treta do Eurico para ficar no banco de reservas na estreia – mostraram que havia muito a ser melhorado.

O torneio foi um sucesso mas não foi tanto como se lembra. Do ponto de vista do público nos estádios, as partidas envolvendo os clubes brasileiros levaram muita gente, mas os outros jogos eram de arquibancada quase vazias. Em São Paulo, a média de público foi de apenas 23 mil pessoas. No Rio de Janeiro, foi de 44 mil. Se Corinthians x Real Madrid atraiu 55 mil torcedores e a final levou 73 mil, outros jogos pareciam estadual. O movimentadíssimo Raja Casablanca x Al Nassr, por exemplo, teve apenas 3 mil testemunhas.

Na TV a audiência foi altíssima. A Globo não quis comprar os direitos de transmissão negociados pela Traffic, porque considerava o torneio “experimental” e quase não deu espaço para sua cobertura em seus noticiários. A Band ficou com eles e deu ampla divulgação ao evento, enquanto a concorrente deu mais destaque à Copa São Paulo de Futebol Jr. e ao Torneio Pré-Olímpico. A final, por exemplo, bateu 53 pontos ganhando com sobras do Jornal Nacional e da novela Terra Nostra, marcando a maior audiência da história da emissora paulista.

No fim, o torneio ficou para a história, seja pelas polêmicas, pelo folclore envolvendo os jogos ou simplesmente pelos lances que marcaram aquele verão de 2000.

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